Luiz
Felipe Pondé
Alma reptiliana em 2014
A
verdade do homem não está no que ele diz, mas no que ele faz em nome do que ele
diz
Por
que, depois de tantas provas de que muitas religiões são uma farsa e alguns de
seus ministros são uns picaretas, elas ainda dominam a vida da maioria dos
seres humanos? Uma resposta possível está na Pré-História e em nossa "alma
reptiliana".
Sou
daquele tipo de pessoa que não acredita que mudamos muito nos últimos tempos;
para dizer a verdade, acho que, quando pensamos na humanidade, a Pré-História
deveria ser mais levada a sério do que surtos como a Revolução Francesa ou
coisas passageiras como eleições democráticas.
Ou
melhor, a Revolução Francesa deveria ser lida como mais um surto da violência
natural que caracteriza toda manifestação de multidões desde o Paleolítico. Gostamos
de matar e pronto. E a ideia de "um mundo melhor" é tão metafisica
quanto os milenarismos medievais ou o monte Olimpo de Zeus.
Voltemos
às religiões. Fenômeno mais essencial do que a política (aliás, só quando vira
religião a política reúne multidões, como os fanáticos que creem na política
como salvação), e, mais determinante, a religião deita raízes, como tudo mais
de humano, na força que de fato nos forma, o desejo, que em nós é atávico como
nosso cérebro réptil. E o réptil em nós goza no desejo.
Em nós,
o desejo é metafísico, isto é, desejamos um mundo imaterial e eterno, no qual a
força dos deuses é nossa, e nela não somos os miseráveis que somos. E para ter
esse mundo nos fazemos ainda mais miseráveis, porque nosso pensamento e nossas
ideias servem a esse desejo, e não o contrário. Por isso, seguimos picaretas de
todos os tipos, que dizem representar os deuses, os santos, os espíritos que
controlariam nossos destinos, fracassos e sucessos. No fundo, querem dinheiro,
sempre dinheiro.
Não
somos seres de razão, somos seres de desejo. É na Pré-História que encontramos
a melhor compreensão de nossa "natureza", e não em teorias escritas
em gabinetes sofisticados. Em cada um de nós vive um Australopithecus pronto a
romper seu exílio em nossas maneiras afetadas de civilizados.
A
religião, em grande parte, "organiza os delírios" de nossa mente
animal e irracional. Em nós, a razão é superficial como espuma. Mas, diga-se,
uma espuma que deve ser cultivada a todo custo.
Para
além da chamada "escolha racional" (teoria muito comum hoje em
estudos das religiões), teoria esta baseada no utilitarismo inglês que afirma
que os seres humanos escolhem racionalmente buscando a redução do mal-estar e a
otimização do bem-estar (por isso a religião, na sua hegemonia, seria um modo
de escolha que diminui nosso mal-estar), a "inconsciência religiosa" se
mantém, em grande parte, graças à estrutura mental pré-histórica.
É fácil
imaginar nossos ancestrais apavorados sob o domínio de figuras xamânicas que cuspiam
fogo enquanto afirmavam que pragas, doenças e guerras assolariam a vida do
bando --o óbvio e ululante, claro. Ou, no caso de desejarem combater essas
maldições, eles deveriam matar bichos, matar pessoas, comer comidas sagradas,
entoar sons repetitivos, dançar ritmos extáticos, fazer sexo com o sacerdote. Enfim,
há um risco de reptilização da fé.
Quando
passo diante de um desses templos nos quais as pessoas erguem as mãos e gritam
pelo Espírito Santo ou qualquer outra entidade suposta, ouço nossa ancestralidade
berrando em plena luz do dia. Pensar que há algo de diferente entre o pré-histórico
e nós nisso é confundir o cenário com a dramaturgia que na realidade define os
personagens e sua ação.
Claro,
hoje, afetados de todos os tipos se dizem contra sacrifícios animais e contra
guerras, mas, em dois minutos, pulariam na jugular de quem fosse contra suas
pautas de santidade. A verdade do homem não está no que ele diz, mas no que ele
faz em nome do que ele diz.
As
religiões evoluíram, como tudo mais em nós. Produziram grandes e belos sistemas
teológicos e morais. Não nego. Mas o número de pessoas que se submetem a
reptilização da fé é enorme, pouco importa o quão inteligentes sejam em outras áreas,
ainda creem, em 2014, na capacidade de interpretação desses picaretas do mundo
dos espíritos.
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