06
de janeiro de 2014 | N° 17665
L.F.
VERISSIMO
Carisma
Eu
estava vendo o ditador norte-coreano Kim Jong-un na TV e pensei no Jango
Goulart. Não que houvesse qualquer semelhança física ou política entre os dois,
mas tanto Kim quanto Jango nos fazem especular sobre essa coisa misteriosa
chamada carisma – que Jango não tinha e o pequeno e rechonchudo Kim tem muito
menos.
Claro,
Kim herdou a ditadura do seu pai, que herdou do seu avô. Não precisava de
carisma para chegar aonde chegou, bastava o nome. Mas Jango fez uma carreira
política importante que culminou na Presidência da República, apesar da
evidência de não ter muito gosto pela política ou pelo poder, e nenhum carisma.
Também teve um pai político – Getúlio Vargas –, mas conquistou sua liderança no
embate e no voto, mesmo com zero de carisma.
Até
hoje se especula se a história do Brasil teria sido diferente se a
personalidade do Jango fosse diferente, e ele tivesse vontade suficiente para
chefiar uma resistência ao golpe de 64. Muito se falou, no rescaldo do golpe,
num inexistente “esquema do Jango” que deteria os golpistas. Hoje se sabe que o
“esquema” pode até ter existido, o que faltou foi a decisão do Jango de
inspirar uma reação, com o risco de deflagrar uma guerra civil. Foi o momento
em que um pouco de carisma teria mudado tudo.
Outro
caso notório de um político que foi longe sem carisma é o de Richard Nixon, que
chegou à presidência dos Estados Unidos, e à reeleição, apesar do seu ar
soturno e da sua absoluta falta de atrativos pessoais. Nixon fez a sua carreira
como caçador de comunistas durante a Guerra Fria e ganhou o apelido de “Tricky
Dick” e uma reputação que justificava o apelido de pouco confiável.
Mesmo
assim, só não completou dois mandatos na presidência porque foi derrubado pelo
escândalo de Watergate. Faltava a Nixon o que sobrava, por exemplo, a John
Kennedy. Houve um famoso debate eleitoral entre os dois em que, na opinião de
todos, Kennedy arrasou com Nixon.
Revendo-se
a gravação do debate, depois, chegou-se à conclusão de que Nixon, na verdade,
vencera. O que convencera as pessoas da vitória de Kennedy fora sua aura de
juventude e capacidade de liderança, além da cara limpa em contraste com a cara
sombria do adversário. Ganhou o debate o carisma do Kennedy, não o Kennedy.
O
que é, afinal, carisma? O Aurélio diz que é a atribuição a alguém de qualidades
específicas de liderança, derivada de sanção divina, mágica ou diabólica. Em
suma, um mistério. Você nem sempre sabe quem tem, mas sabe imediatamente quem
não tem.