07 de agosto de 2015 | N° 18250
DAVID COIMBRA
Pesadelo vivo – 2
Eric não via filme de terror. Tinha medo. Não se envergonhava de admitir que tinha medo. Mas é claro que assistira a alguns filmes apavorantes, e, neles, o ataque do Mal sempre acontecia quando alguém fazia aquilo que ele estava prestes a fazer: havia tirado os olhos da aparição e lhe dera as costas, para ir à cozinha, tomar um copo d’água. Nos filmes, era esse o momento de alguma coisa terrível acontecer. Foi o que o deteve: a sensação de que não devia ter deixado de olhar para a mulher lá fora, de que a distração era um erro.
Voltou correndo até a janela.
Abriu a cortina, temendo que a mulher do pesadelo estivesse mais perto, talvez sobre a grama do jardim. Mas ela não estava mais lá. Havia sumido.
Eric ficou algum tempo olhando para a rua deserta. Então suspirou, fechou a cortina e, por fim, caminhou até a cozinha. Abriu a porta da geladeira, pensativo. Tomou um copo d’água. Largou o copo na pia. E decidiu se recolher.
Ao chegar ao corredor, hesitou. O corredor escuro parecia ameaçador. Eric suspirou. Lembrou-se da mãe, que dizia sempre, quando ele era menino: – Enfrente o medo! Encheu os pulmões de ar e avançou escuridão adentro. O corredor lhe parecia mais comprido do que o normal. Parecia um corredor de pesadelo, interminável.
Mas terminou. Eric chegou ao quarto, escovou os dentes rapidamente, deitou-se na cama e apagou a luz do abajur.
Quem diz que conseguia dormir? O pavor cresceu. Eric ouvia ruídos. A madeira das paredes estalando. Passos na calçada. O vento balançando as folhas. Tudo lhe parecia fantasmagórico e ameaçador. A madrugada já ia alta quando ele fez o que há muito tempo não fazia: rezou. Rezou com concentração, força e fé. Rezou, rezou, desfiou Pais Nossos e Aves Marias, rezou sem parar, até cansar e, finalmente, adormecer.
Quando o sol raiou, Eric acordou cansado, mas o medo havia se derretido com a claridade. Mesmo assim, passou o dia irritado com a falta de sono e tenso com a lembrança da noite. Salomé ligou, queria beber algo na Cidade Baixa, mas ele disse que não havia dormido bem, que estava exausto e que queria ir para casa. O que era verdade, mas ela agiu como se não acreditasse nele e desligou agastada. Dane-se!
Ao voltar para casa, Eric passou algum tempo conversando com o filho dos seus vizinhos, o menino Tiaguinho, e brincando com seu pastor alemão, o Vírgula. Isso o deixou relaxado. Jantou no sofá, em frente à TV ligada, com Vírgula deitado ao seu lado. Depois, levou-o ao quintal, fechou a casa e preparou-se para dormir um pouco mais cedo. Tentava não pensar no assunto, mas a lembrança do pesadelo ainda o inquietava. Será que... O pensamento apertava-lhe o peito. Será que... Caminhou, então, até a janela da sala. Levou uma mão vacilante até a cortina. Abriu-a.
E lá estava ela. A mulher do seu pesadelo, debaixo da árvore, na escuridão, olhando para ele.
Medo. Sente-se medo de algo que pode acontecer, não do que está acontecendo. Quando está acontecendo, em geral, não se sente mais medo. Mas aquilo estava acontecendo e era exatamente do que Eric tinha mais medo na vida, e ele ainda assim continuava sentindo medo. O medo denso, pesado, pastoso injetou-se em seu coração e o fez inflar até tomar conta do peito inteiro, da garganta, da boca. Eric mal conseguia respirar, vendo o seu pesadelo materializado do outro lado da rua. O que fazer? O que fazer? Saiba amanhã o que ele fez!