sábado, 8 de agosto de 2015



08 de agosto de 2015 | N° 18252 
NÍLSON SOUZA

TELEFONE SEM FIO

Caos em Porto Alegre: arrastões no centro da Capital, tiroteios em diversos bairros, assaltos nos engarrafamentos de trânsito e muita troca de mensagens nas redes sociais, com avisos alarmantes e notícias sobre ocorrências policiais. Assim começou para os gaúchos uma semana marcada por paralisações e protestos de servidores públicos com salários atrasados. 

Só que não. A única coisa real desse cenário é a compreensível revolta dos trabalhadores com o parcelamento de seus salários. Tudo o mais faz parte de uma onda de boatos que provocou fechamento antecipado de lojas e causou pânico nas pessoas.

O boato é filho do medo e tem a maldade como madrasta. Nem sempre é intencional. Quando fiz meu estágio de Educação Física, uma das brincadeiras que gostava de fazer com as crianças na hora do “volta à calma” era a do telefone sem fio. Inventa-se uma frase secreta, de preferência com certa complexidade, dispõe-se a garotada em fila ou em círculo, e o primeiro conta a historinha em voz baixa no ouvido do segundo, que repassa ao terceiro e assim por diante. O último diz em voz alta o que ouviu – e, invariavelmente, o resultado é desastroso, engraçado, com muita coisa diferente daquilo que foi proposto no início.

Pois o telefone sem fio, tanto o aparelho quanto o da brincadeira, é agora uma realidade. Qualquer pessoa tem poder para lançar uma afirmação, uma suposição ou até uma maledicência – e a tecnologia da retuitagem faz o resto.

Claro, o boato é antigo como o mundo. Há incontáveis exemplos na história da humanidade de fofocas que interferiram nos rumos dos fatos. Em tempo de guerra, mentira é como terra – diz o ditado. A própria imprensa foi rotulada de fofoqueira durante anos, o que a obrigou a desenvolver mecanismos de checagem e transparência para reconquistar a confiança do público. Não que esteja totalmente livre de erros e até de desvios éticos. Ainda ocorrem. Mas agora essa pecha de pouco confiável está passando para as redes sociais.

Durante o dia confuso do início da semana, os jornalistas e os veículos de comunicação foram muito pressionados a divulgar as informações sobre os tais arrastões e assaltos que cidadãos sérios e preocupados repassavam aos amigos. Poucos profissionais, porém, caíram na armadilha da boataria.

Acho que nos saímos satisfatoriamente desse deprimente e nem sempre bem-intencionado telefone sem fio.