08 de agosto de 2015 | N° 18252
DAVID COIMBRA
Pesadelo vivo – final
Rezar. Eric rezou e o fez com fé: – Livra-nos do Mal. Livra-nos do Mal!
Mas o Mal continuava lá, exatamente como no pesadelo. A mulher com o rosto nas sombras, olhando para ele. Ele sabia que ela estava olhando para ele. As pernas de Eric fraquejaram e ele teve vontade de vomitar. Mas não vomitou. Fechou a cortina, respirou fundo e pensou:
– Tenho de enfrentar o medo! Abriu de novo a cortina, decidido a não tirar mais os olhos da aparição.
E ela não estava mais lá.
Eric ficou desnorteado. Caminhou pela sala, indeciso. Deu a volta na mesinha de centro, foi até a cozinha, acendeu a luz, voltou... Tinha de falar com alguém! Pegou o celular. Ligou para Salomé. E despejou toda a história. Tudo. O pesadelo recorrente. Como acordava assustado. E, agora, o fantasma do outro lado da rua. Salomé ouviu até o fim e, então, falou exatamente o que ele não queria ouvir:
– Já pensou em procurar um psicanalista?
Naquele momento, a raiva tomou o lugar do medo. Eric precisou se conter para não gritar um palavrão e desligar. Despediram-se, enfim, e ele ficou rosnando:
– Sociólogas! Jornalistas!
E assim se fez a luz.
A verdade abriu-se diante dele. Ou, pelo menos, o que ele achava ser a verdade.
Eric, subitamente, surpreendentemente, traçou um plano. Foi algo quase automático em sua cabeça.
E, naquela noite, ele conseguiu dormir. No dia seguinte, estava alerta e ansioso para colocar seu plano em funcionamento.
Salomé ligou, preocupada, sugerindo o nome de um analista, convidando-o para jantar na casa dela, mas ele recusou com educação. Tinha algo importante a fazer, respondeu. E era verdade.
Ao chegar em casa, tomou duas providências: deixou o portão da frente aberto e trouxe Vírgula para a sala. E esperou. Vírgula, conhecendo o dono, esperou também, apreensivo, deitado no tapete, mas sempre olhando para o rosto de Eric.
A hora, enfim, chegou.
Com o coração palpitando forte, Eric chamou Vírgula e esgueirou- se até a janela. Abriu uma fresta da cortina, o suficiente para espiar com um só olho.
Ela estava lá. A mulher do pesadelo. Eric gritou:
– Vem, Vírgula! E saiu correndo. O grande pastor alemão foi atrás dele, a toda velocidade. Saíram pela porta da frente. Em um segundo, estavam na calçada. Eric apontou para a mulher de preto:
– Pega, Vírgula!
E então percebeu nela o pânico que nenhum espírito maligno sentiria. Quando a mulher viu o cachorro correndo em sua direção, soltou um grito de pavor, virou-se e correu. O chapéu preto caiu no chão e Eric riu, riu e gritou:
– Pega, Vírgula! Nem precisava. Vírgula já a encurralara. E ela gritava, desesperada:
– Socorro! Tira esse cachorro de cima de mim! Eric, sentindo-se realizado: – Parado, Vírgula!
Vírgula estacou, rosnando. A mulher-fantasma estava encostada no muro de uma casa, completamente em pânico, um pânico que mulheres-fantasmas não sentem.
– Diz pra ele ficar longe de mim! – implorava, olhando fixamente para os dentes que o pastor alemão lhe apresentava como advertência.
– Foi a Eva? – perguntou Eric, embora já soubesse a resposta.
– Foi! Foi! Era só pra ser um susto! Só uma brincadeira!
– Não... – disse Eric. – Não era brincadeira. Era vingança...
Chamou Vírgula e deixou a mulher ir embora, correndo. Voltou para casa balançando a cabeça. Mulheres! Quando Salomé deu a ideia de procurar um psicanalista, ele lembrou-se de Eva e compreendeu: Eva sabia do pesadelo, podia ter armado tudo. Como, de fato, armou.
Ao chegar em casa, Eric estava decidido. Ligou para ela. Para Salomé, não para Eva. Terminou o namoro por telefone mesmo. Nem deu muita explicação. Queria ficar sozinho, pronto. Sociólogas, jornalistas, mulheres que ficam indignadas com propaganda de cerveja, nunca mais!