Então é Natal!
Não tenho a menor ideia de quando deixei de acreditar em Papai Noel, pessoa física, não o "espírito de Natal", que nesse eu até sigo acreditando, apesar de tudo, de todos e desse vale-tudo pós-moderno em que virou o planeta. Também não lembro de quando fiquei sabendo que os bebês não eram trazidos por cegonhas e quando tomei conhecimento de que o Internacional às vezes perdia nos jogos, até em alguns Gre-nais.
Preferia não lembrar do dia em que mostraram, na catequese, uma pintura com vários diabos com chifres e rabos em volta da cama do pecador que estava morrendo. Isso de separar corpo e espírito, realidade e fantasia e verdade e mentira, que são inseparáveis e inevitáveis como "fake news", não sei quando me dei conta que eram inseparáveis e que é preciso conviver do jeito que dá com o fato.
Ninguém aguenta estar razoavelmente vivo sem mentiras piedosas, fantasias delirantes, histórias mirabolantes, fé na ciência e ciência da fé, memórias inventadas, fotos com Photoshop, fofocas verdadeiras ou inventadas e manifestações de arte em geral. O mundo e as pessoas precisam de visões, "correções" e de esperanças até no invisível para seguir com sua eterna marcha pelo tempo.
A vida é imperfeita. A história do nascimento de Jesus Cristo e as lendas da casa do Papai Noel na Lapônia são lindas demais para que a gente deixe de lembrá-las e contá-las até o infinito. Época de Natal, espírito de Natal, tudo a ver com a vontade que temos de, pelo menos uns dias por ano, achar que é possível uma vida, uma convivência mais fraterna e solidária entre pessoas e países. Hora de dar e receber presentes.
Presentes físicos e incorpóreos. Presentes de pegar com as mãos e com os olhos, presentes só de ver no tablet ou iPhone, cartões impressos ou virtuais, não importa. Os italianos dizem: Il Natale è com i tuoi, pasqua e capodanno com chi vuoi (o Natal é com os teus, a Páscoa e o Ano-Novo com quem quiseres). Verdade. Natal é com família e quem não tem família tem os amigos e conhecidos como família.
No meio dos que já foram e dos que ainda estão neste mundo, misturados com as dores e os prazeres, as perdas e os ganhos, vamos festejando o Natal. Lembranças de Natais bons, outros, nem tanto. Nessa overdose de tempos, mortos e vivos, lembranças, esquecimentos, sentimentos variados, melhor aproveitar para incorporar o "espírito de Natal", tomar um fôlego e arranjar esperanças para o Ano-Novo, que sempre vem com tudo o que possível e imaginável.
Se é difícil ou talvez impossível de esquecer certos atos, acontecimentos ou pessoas, ao menos podemos perdoar ou pensar de modo diferente sobre as sofridas pedras que carregamos na memória. Melhor não guardar esqueletos nos armários. De mais a mais, fim de ano é época de feng shui, limpeza, faxina dentro e fora. Em certas cidades da Itália, no fim do ano, pessoas atiram objetos velhos e inúteis pela janela.
a propósito...
Melhor não ficar contando com um coral de anjos que pode aparecer no seu jardim dia 24 à noite, junto com a Orquestra Sinfônica de Berlim e o Tony Bennet cantando White Christmas. Menos, melhor saber que as histórias dos comerciais de Natal são, no mais das vezes, fontes de esperança e inspiração, o que já é muito.
Jesus Cristo ensinou a ser simples, direto, amoroso e seu exemplo, assim como o de São Francisco e outros, mostram que o amor, a esperança, a fraternidade e a paz é que devem vencer no final do jogo desta vida, que, pensando bem, só tem final depois que não restar ninguém para contar histórias como a de Jesus e do Papai Noel.
- Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/12/colunas/livros/602589-a-riqueza-do-brasil.html)