Por que os neurocientistas caíram de amores pelo budismo?
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Ao que parece, está pintando um lindo caso de amor entre a neurociência do século 21 e o budismo –ou, no mínimo, a consolidação do interesse dos que estudam o cérebro por várias das práticas e diretrizes dessa religião milenar.
O curioso é que, muitas vezes, o namoro tem partido de gente da qual não esperaríamos nenhuma simpatia por tradições religiosas. É o caso do americano Sam Harris, um dos chamados "Quatro Cavaleiros do Neoateísmo" (ao lado de figurões como o biólogo Richard Dawkins e o saudoso polemista Christopher Hitchens).
Na década passada, Harris publicou "The End of Faith" ("O Fim da Fé" –só para deixar 100% clara a posição do sujeito sobre o tema, caso você ainda tivesse alguma dúvida), o primeiro de seus libelos antirreligiosos. Dez anos depois, porém, Harris lançou "Despertar: Um Guia Para a Espiritualidade Sem Religião", no qual basicamente argumenta que a "metodologia experimental" budista –vale dizer, as técnicas de meditação testadas e aprovadas ao longo de séculos–, bem como muitos dos insights dessa tradição asiática sobre a natureza da mente, batem com os achados da neurociência. (O próprio título do livro é uma referência à etimologia da palavra buddha, algo como "o desperto" em sânscrito.)
Dá para ampliar a lista com "Why Buddhism is True" ("Por que o Budismo É Verdadeiro"), do divulgador de ciência americano Robert Wright, ou com "A Ciência da Meditação", dos psicólogos americanos Daniel Goleman (o escritor responsável por popularizar o conceito de "inteligência emocional") e Richard Davidson, livro que já resenhei nas páginas desta Folha - ambas as obras saíram neste ano. Do outro lado da cerca, o Dalai Lama já virou figurinha fácil em congressos internacionais de neurociência. Como explicar essa confluência inaudita?
Com cerca de 2.500 anos de idade e uma história tão complicada quanto a das outras grandes religiões globais, o budismo não se sujeita com facilidade a um retrato unificado ou simples. Mesmo assim, é possível esboçar alguns elementos centrais que têm permitido certa sincronia com as ciências do cérebro e do comportamento humano.
A primeira é que, ao menos em tese, budistas não são teístas, ou seja, não adoram a deuses, nem mesmo precisam ter posição definida sobre a existência ou inexistência de entidades divinas. Esse ponto parece seduzir cientistas não apenas porque muitos deles abandonaram o teísmo ocidental típico (judaico-cristão), mas também porque o não teísmo budista tende a se voltar para os estados mentais internos do praticante –e não para entidades sobrenaturais cuja presença é virtualmente impossível de provar (ou desprovar).