12 DE JULHO DE 2018
ROSANE TREMEA
Entre desistir e tentar
A menina de sete anos e pouco brincava no canto da sala. Bastou me aproximar para ser logo incluída. Meio sem jeito para aquele jogo com bonecas Polly que trocam de roupa e personalidade, com pôneis e cavalos, resultado de um surpreendente interesse pela equitação, tratei de desconversar. E elogiei o charmoso meião de dormir com a aplicação da cara de um gatinho em relevo. Não, não se tratava de um gato, decepcionou-se ela. Era um cachorro, seu bicho preferido. Para mim, um gato, meu bicho preferido. Ficamos ali naquela "briga" de cão e gato por um tempo infindável, até a menina perder a paciência.
E propôs um desafio: venceria a disputa sobre a figura do meião quem se saísse melhor numa espécie de gincana, uma disputa composta apenas de tarefas relacionadas às artes. Começamos pela música, variações de sons esganiçados que transitaram das cantigas infantis ao rock, indo até a ópera. Acabamos empatadas. Passamos então à dança. Fomos de pliés e frappés ao pezinho e ao passinho. De novo, acabamos iguais, decretou ela.
Quem sabe um desfile na passarela? Lá fomos nós, entre imitações de Gisele Bündchen e um estilo muito pessoal de cada uma para tentar se destacar no competitivo mundo da moda. Outra vez ela considerou nossas performances muito parecidas. Continuávamos sem uma vencedora. O jeito seria apelar para as artes plásticas. Por primeiro, desenho livre. O meu, parado no tempo da alfabetização: uma montanha, uma casa de porta e janela no ponto mais alto, uma pequena floresta na planície, com destaque para uma macieira, o sol com raios em ponta. O dela, uma abstração, com leitura muito particular do que poderia representar e explicação digna de crítico de arte. Nesse ponto, eu teria me dado por vencida. Mas a menina valorizou minha paisagem, como se eu fosse um pintor flamengo da Idade Média.
O jeito, concluiu, seria um último duelo antes de apelarmos para um juiz "neutro", como o pai dela. Que tal design de moda?
Design de moda? Joguei a toalha. Nem em sonhos! O que eu desenharia? Um cachecol? Nem pensar. Ia me encaminhando para uma derrota por W.O. Não ia encarar os pênaltis dessa final de Copa do Mundo. Ela que ficasse com a taça. Já ia evocar o Quincas Borba, de Machado de Assis - "Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas" -, quando tomei uma reprimenda digna de juiz de futebol depois da consulta ao árbitro de vídeo.
- Como assim, desistir? Não se desiste sem tentar pelo menos uma vez - disse, em tom firme, a menina de sete anos e pouco.
E lá fui eu, meio envergonhada, tracejar algo que lembrasse de longe um vestido. Ela esboçou primeiro de um lado da folha, não gostou, virou a página e, com movimentos rápidos, extraiu do lápis sem cor uma figura com um vestido fluido e uma espécie de fascinator na cabeça que me mostrou orgulhosa. Eu apresentei meus garranchos em câmera lenta, constrangida.
- Viu como não era para desistir? - consolou-me, ao avaliar meu esboço. - Não é bem um vestido, mas parece uma capa de chuva chique - declarou.
Foi bom não desistir mesmo. Encerramos a brincadeira, sem vencida nem vencedora. E com uma lição.
*O jornalista David Coimbra está em férias. - ROSANE TREMEA