18 DE JULHO DE 2018
CLÁUDIA LAITANO
Meu gosto não é seu gosto
Na cultura, como na política e nos filmes de gângsteres, todos os caminhos levam à mesma pergunta: de onde vem a grana? Quem está pagando? Qual o interesse por trás dessa pessoa, projeto, empreendimento?
No caso da política e dos gângsteres, quem segue a trilha do dinheiro pode se surpreender - principalmente quando as duas coisas andam de mãos dadas. No caso da cultura, o mais comum é "perseguir" a grana - ou seja: tentar descobrir onde ela está escondida e, delicadamente, sugerir que parte dela se transforme em patrocínio. Ainda assim, a origem do financiamento cultural é determinante para estabelecer não apenas o grau de liberdade que o artista terá na hora de produzir seu trabalho, mas também o direito do contribuinte de ser informado sobre os critérios usados para incentivar este ou aquele projeto quando há dinheiro público envolvido.
Sim, um artista pode financiar seu trabalho exclusivamente com bilheteria, mas esses casos são o topo da cadeia alimentar do mundo das artes. A maioria depende de algum tipo de patrocínio para começar. Algumas empresas se destacam pela inteligência com que aplicam seus recursos, associando sua marca com valores de interesse público que vão além da simples lógica do mercado. Palmas para elas.
Para driblar a crise e a escassez de patrocínios convencionais, vem crescendo a mobilização coletiva em torno de projetos culturais. Foi o que aconteceu recentemente com a campanha de crowdfunding para a montagem da exposição Queermuseu no Rio de Janeiro. Encerrada no dia 29 de março, a campanha arrecadou cerca de R$ 1 milhão e teve 1.677 colaboradores - tornando-se o maior crowdfunding já realizado no país. A exposição cancelada arbitrariamente no ano passado será inaugurada no Parque Lage no dia 18 de agosto. (E beijinho no ombro para todos os trogloditas que ameaçaram o público e os artistas em Porto Alegre. Perdeu, playboy.)
Quando o Estado está de alguma forma envolvido em um projeto cultural, não basta ser honesto, é preciso ser convincente. Se o dinheiro é público, obviamente deve ser usado com diligência e transparência. Mas tão importante quanto prestar contas e seguir os trâmites burocráticos é entender que não existe mérito intrínseco em nenhuma obra de arte. O mérito de uma obra é aquele que é atribuído a ela. Por isso é tão perigoso delegar decisões de mérito cultural para uma única pessoa ou um único grupo de pessoas. O prefeito Marcelo Crivella, por exemplo, pode estar convencido de que ceder o Sambódromo para eventos da Igreja Universal é mais do que justo, mas ele não pode ficar livre para tomar essa decisão sozinho. É para isso que existem os filtros que protegem (ou tentam proteger) o aparelhamento da máquina estatal. Meu gosto não é seu gosto, camarada.
Agentes públicos que desejam genuinamente promover a cultura devem se cercar de todos os cuidados para garantir que estão sendo transparentes, correto? Infelizmente, não foi esse o caso do edital de R$ 350 mil aberto no início do mês pela Câmara Municipal de Porto Alegre para a produção de uma ópera-rock sobre a Revolução Farroupilha. Há mais perguntas do que respostas neste edital. Por que um prazo tão exíguo entre o encerramento do edital (agosto) e a data de exibição do espetáculo (novembro)? Por que não disponibilizar esse valor para que diferentes propostas fossem apresentadas sobre o mesmo tema? Por que colocar tanto dinheiro em um único espetáculo em um momento de vacas magras para a cultura? Por que não ouvir a comunidade cultural antes de abrir o edital? E, acima de tudo, por que, mano do céu, uma ópera-rock em 2018?
*O jornalista David Coimbra está em férias. - CLÁUDIA LAITANO