domingo, 22 de julho de 2018


17 DE JULHO DE 2018

LUÍS AUGUSTO FISCHER

RADAR DA LÍNGUA


Coisa linda é ver o curso de uma palavra se movimentando na cultura cotidiana, no contato e no confronto com as necessidades que encara e as possibilidades que carrega.

Agora mesmo se popularizou, aqui no Estado, o verbo "pifar" significando não o que os dicionários registram - estragar, fracassar, ou ainda, creio que não no Rio Grande amado, beber em excesso (se usava dizer que alguém tomava "um pifão", mas nunca mais ouvi) -, mas sim significando "deixar o companheiro na cara do gol". A analogia é com o jogo do pife, de cartas, em que "estar pife" ou "pifado" significa estar a ponto de bater. Então agora se diz que Fuão pifou Beltrão. (Sim, caro leitor, gentil leitora, "fuão" é uma forma antiga de "fulano".)

Pifar, neste sentido flamante, entra em concorrência com "dar assistência", termo que veio do basquete e ganhou foros de legitimidade: agora não é raro um comentarista dizer que Sicrano fez, no jogo, um gol e duas assistências. Mas ninguém diria que foi um gol e duas pifadas.

No jargão futebolístico gaúcho também, "enquadrar" parece ter vencido "quadrar", quando se trata de descrever que o jogador ajeitou, aprumou, dispôs o corpo de modo favorável para o lance que se desenrolava. Até esses dias, "enquadrar" era emoldurar, dar forma quadrada ou dar castigo, mas agora também significa "quadrar".

Um termo para mim surpreendente se usa na prática do videogame pelo meu filho de 11 anos. Escuto ele conversando com o menino vizinho, na carona para a escola, e os dois usam francamente o termo "apelão". Minha primeira interpretação foi ligada ao velho sentido de "apelar para a ignorância", mas podia ser também um sinônimo para "chorão", pensei. Nada disso: "apelão" vem a ser a designação de jogador excelente, que ninguém bate.

Dei uma furungada no google e, surpresa, "apelão" já significou aquele que não sabe jogar videogame e, por isso, apela a recursos reprováveis - é o que leio da Desciclopédia.org. A mudança radical, a inversão que vejo agora no uso do meu filho, será coisa da novíssima geração?

LUÍS AUGUSTO FISCHER