18 DE JULHO DE 2018
PEDRO GONZAGA
SEXO
Nelson Rodrigues pensava muito em sexo. Ou ao menos o Nelson dos textos. Como tantos moralistas, é provável guardasse um Michael Douglas interior, se me entendem, que se intrometia em todo e qualquer assunto. Talvez a constante presença desse lascivo canastrão explique, nos moralistas, a necessidade de denunciar qualquer laivo de luxúria alheia, condenando nos outros as próprias vergonhas guardadas aquém da porta da rua, neste lugar íntimo onde as convenções sociais fraquejam, as normas vacilam e os hábitos se esparramam.
Claro, sei que o autor de Vestido de Noiva (ao contrário dos guardiões sem procuração dos bons valores) conseguiu transformar seu moralismo numa perfeita máquina estética, capaz de escavar e expor nos palcos as taras e repressões da família brasileira. Mas não era desse Nelson que eu falava, mas sim do cronista polêmico. Pensava, em específico, numa de suas máximas, o que havia de acertado nela, tirando o horror ao sexo: "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém."
Porque não sei quanto a vocês, mas dado que até as abelhas fazem, como naquela canção de Cole Porter, e desde que haja a higiene adequada, não vejo razão para fraquejar a cortesia de uma saudação. Confesso que a intimidade pura, o que as pessoas fazem quando ninguém está vendo, isso sim seria razão para evitar cumprimentos. Reparem, quão perigosa pode ser uma pessoa que conserva figurinhas repetidas do Neymar? E o que dizer de quem usa stevia para adoçar o café? Quem vacilaria em trocar de calçada ao saber das verdades que muitos só revelam aos espelhos?
Melhor não saber, melhor não revelar. Recentemente, contei, impudico, a um grupo de colegas que no meu primeiro dia de férias acordo, me arrumo, saio porta afora, como se fosse para o trabalho, mas retorno e me deito outra vez, só para sentir o luxo da folga. Para quê? Acharam que era chalaça, depois bizarria. Na verdade, eu só adaptara a tática de um amigo, este sim um original, que, no primeiro mês em que deixou de pagar aluguel, preencheu o cheque e depositou a folha no próprio bolso, para sentir a materialidade da economia.
Pensando bem, deixemos a frase do Nelson como está, deixemos que os moralistas aleguem que o problema da convivência humana é o que cada um faz com o corpo.
Será sempre mais fácil compreender um devasso do que um colecionador de tampinhas.
PEDRO GONZAGA