sábado, 25 de maio de 2024


25 DE MAIO DE 2024
MARCELO RECH

Atalhos da tragédia

Para o bem e para o mal, há certas coisas que só despertam em uma emergência. Na conta das surpresas positivas, a enchente produziu um sentimento de união em torno de uma causa, o socorro ao Rio Grande do Sul, há muito abafado no Brasil. Na conta dos aprendizados pelo sofrimento, tivemos dois tratamentos de choque: a constatação dos efeitos práticos e desastrosos do aquecimento global e o flagrante de como fake news buscam a desagregação para obtenção de vantagens políticas.

A ficha pode não ter caído para todos, mas o dilúvio evidenciou ao mundo, infelizmente tendo o Rio Grande do Sul como epicentro, que a mudança do clima não é uma discussão teórica restrita a acadêmicos, ONGs, imprensa e governos conscientes. Como nunca, o Rio Grande do Sul foi notícia mundial, e a torrente despejada por um Rio Amazonas aéreo reforçou a convicção global de que o planeta deve se preparar para grandes enxurradas e outros cataclismos com origens no aquecimento.

Podemos fazer algo em contrário? Todos podemos, ainda que as raízes climáticas da tragédia possam estar a milhares de quilômetros do Rio Grande do Sul, como o desmatamento da Amazônia e a liberação de gases de efeito estufa no Hemisfério Norte. A primeira medida é se informar e agir no seu âmbito pessoal.

Assim como o aquecimento é uma ameaça à saúde física da Terra, as fake news são um atentado à sanidade mental da humanidade e, como tal, deveriam receber atenção e enfrentamento global. As linhas de montagem destinadas a fabricar indignação e catapultar políticos com plataformas extremistas têm múltiplas origens, mas a quase totalidade desemboca na sociedade por meio de redes sociais que ganham fortunas com a intoxicação dos cidadãos. O acordo fechado entre governo e as principais big techs no Brasil para agirem sobre as fakes envolvendo a enchente é um bem-vindo alento, sobretudo porque a autorregulação é a melhor das regulamentações.

A lógica é simples: nenhuma empresa pode se desvencilhar da responsabilidade da forma como faz dinheiro. Esse é um princípio básico e meritório do capitalismo, que evoluiu para o que se chama de licença moral para operar um negócio. Uma empresa por cima de controles, leis e valores éticos que fatura com a disseminação deliberada de mentiras, portanto, solapa os princípios do sistema capitalista moderno. 

A responsabilização das redes por elas mesmas pode ser um avanço, mas a epidemia desinformativa só será eliminada com a educação midiática em larga escala, ou seja, a preparação das pessoas para aprender a desconfiar de conteúdos que lhes empurram e, assim, conseguir distinguir verdade de mentira, contextos e nuances.

O caminho é longo, mas, ao custo de muitas aflições, tanto no aquecimento global como no combate à desinformação, a tragédia rasgou atalhos.

MARCELO RECH

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