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"RS pode ser um farol na adaptação à mudança climática"
Kayo Soares - Fundador e CEO da Arvut, empresa de consultoria ambiental e ESG, é oceanólogo, engenheiro civil e mestre em Oceanografia Física, Química e Geológica pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
Quando a chuva começou, entre o final de abril e o início de maio de 2024, Kayo Soares participava de audiência pública ambiental em Rio Grande. O risco interrompeu o processo. Um ano depois, vê avanços na consciência climática no Estado e até nas obras estruturantes, que considera as mais importantes. Mas alerta que é preciso acelerar com planejamento e vê na elaboração de projetos um desafio para o RS sair mais forte da catástrofe.
Depois da enchente no RS, cresceu a conscientização sobre mudança do clima, mas ainda há distância entre teoria e prática. É assim mesmo?
Movimentos costumam ser feitos depois de catástrofes. O Japão, apesar de ter um sistema de monitoramento, só foi aprofundá-lo após o tsunami de 2011. Muitas vezes as respostas só acontecem após o evento. Separo as ações em urgentes e importantes. O Plano Rio Grande (parcelas de pagamento de dívida que o Estado vai reter, em vez de pagar à União) tem ações emergenciais, estruturantes e de governança. Dos quase R$ 7 bilhões anunciados, a maioria é para ações urgentes, renovação de estradas. Uma pequena parcela é para ações estruturantes, as importantes, que fazem com que as catástrofes virem oportunidade para melhoria.
O que significa?
O RS tem uma situação particular. Antes, apesar de outros problemas, discutir mudança no clima no Brasil parecia etéreo. No RS, vimos a cara da mudança climática. Ações estruturantes ganharam importância, como mudança de matriz energética, maior preocupação com a pegada ecológica dos produtos que consumimos, infraestruturas resilientes. Vamos ter de trabalhar com a conscientização da população, que tem de entender como responder a outros eventos. Quem vive em áreas de vulnerabilidade terá de sair, teremos de construir caminhos seguros. Em um terremoto, os japoneses sabem o que fazer. No Brasil, quando tiver outra enchente, não. Temos de entender, é a realidade que vamos viver, principalmente no RS que deve ficar com o clima mais extremo.
Há lições da catástrofe?
O RS pode ser um farol para o Brasil na adaptação à mudança climática. Até a trabalhar com o conceito de justiça climática. As pessoas mais ricas, que demandam mais recursos naturais, sofrem menos quando ocorre um evento climático extremo. Quem sofre mais são as pessoas em vulnerabilidade, ou que estão em áreas mais vulneráveis, as que degradam menos o ambiente por menor consumo. A mudança climática no RS também gera perda de solo, desertificação, perda de biodiversidade. O trabalho precisa ocorrer de forma sistêmica.
Como pode se estruturar?
Nos países desenvolvidos, o nível de investimento em prevenção climática é muito maior. Mudança climática também é um ativo econômico, e se não for trabalhada, vira um passivo. Temos de cuidar do urgente, mas também planejar e implementar o importante. É o que vai nos fazer emergir da enchente mais resilientes e mais fortes. Não quero criticar nem apontar dedo, mas há obras urgentes que precisam ser feitas, e temos discussões que estão atrasadas.
A ficha caiu para todo mundo que tinha de cair?
Talvez não. Vemos certa disputa entre municípios, Estado e União, o que é danoso para o processo. E existe dinheiro a ser captado, por exemplo, em fundos internacionais climáticos. Alguns municípios conseguem captar, mas faltam bons projetos. Precisamos pensar como nos estruturar para captar os recursos disponíveis. Os bancos de fomento do RS tentam criar linhas de financiamento para transição energética, mas precisaríamos ter um escritório de projetos captando recursos internacionais. Ficamos pensando só no orçamento da União. Não tentar ampliar as fontes mostra que a ficha não caiu totalmente. Precisa de muito mais recursos, mas existem os que não acessamos por falta de articulação política, ou de interesse.
Formatar projetos é um problema para todos os governos?
Temos muitas empresas com capacidade de produção de projetos e muitas até com projetos já feitos no PAC. O Estado tem capacidade técnica na iniciativa privada ou nas universidades, para trabalhar de forma articulada com foco em ampliar as fontes de financiamento. Um exemplo: a fundação Boticário abre edital para projetos em municípios gaúchos atingidos, com foco em estruturas de engenharia ou baseadas na natureza, como barreiras verdes. Ou seja, existem ferramentas para não só construir, mas também focar na elaboração de projetos. Tem muito mais dinheiro fora do que o orçamento brasileiro seria capaz de aportar.
Um ano depois da enchente de maio, estamos no ponto certo ou atrasados?
Estamos dentro da média do Brasil. Temos dificuldade de dados para mapear exatamente quanto tempo leva até as respostas. Mas o Katrina aconteceu em 2005, e em 2012, veio o Sandy, outro furacão na mesma região e demonstrou falhas graves na gestão de risco. São sete anos. Como temos rubricas para saúde e educação, teremos de direcionar parte do orçamento para questão climática. O RS trabalhava, em 2024, com 0,1% do orçamento para a prevenção de desastres, enquanto países desenvolvidos, entre 1% e 5%. Depois surgiram receitas extraordinárias. Estamos trabalhando com a ideia de construção de um Estado mais descarbonizado, com ações estruturantes. Mas a rubrica ainda é uma porcentagem pequena do aplicado.
Vê ações estruturantes?
É preciso tomar cuidado, porque há oportunismo ou equívoco, e às vezes ambos. Uma das questões mais discutidas é a dragagem do Guaíba, mas estudos do IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) mostraram que, se tivéssemos toda a hidrovia com quatro metros a mais de profundidade, os efeitos em Porto Alegre poderiam ter sido piores, porque a enchente chegaria mais rápido. É essencial tanto para não trancar a economia quanto para termos um modal com menor emissão. As redes de monitoramento feitas no Jacuí, a reativação do radar de Pelotas: temos trabalhos estruturantes bem-feitos. Porto Alegre também tem uma sala de situação que monitora, agora, os dados todos integrados, modelagens hidrológicas e de meteorologia. Estão acontecendo, mas é preciso acelerar para que não seja um novo evento que nos mostre o que tínhamos de ter feito de proteção, de alerta ou de treinamento.
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