quarta-feira, 4 de outubro de 2017


04 DE OUTUBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

Mãe


Vi Mãe!, com a lindinha Jennifer Lawrence, e saí do cinema pensando "que filme ruim". Quinze minutos depois, quando estava em frente a um copo de Blue Moon quase gelada, mudei de ideia: "Na verdade, é um filme bom". Durante o tempo em que comi dois crab cakes, que são deliciosos bolinhos de caranguejo, muito populares por aqui, voltei a suspeitar de que Mãe! é ruim. Mas, ao pagar a conta, concluí que é bom.

Para ser sincero, ainda não consegui formar convicção sobre a qualidade do filme, mas, como fiquei pensando tanto a respeito, acabei tendo a certeza de que, sendo bom ou ruim, ele deve ser assistido.

O diretor, Darren Aronofsky, inspirou-se, obviamente, em O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. Mas há algumas diferenças importantes:

1. Mãe! não é um filme de terror, como tem sido dito.

2. Polanski é melhor diretor do que Aronofsky e Mia Farrow é melhor atriz do que Jennifer Lawrence.

3. O Bebê de Rosemary é MUITO melhor do que Mãe!. Feitas as ressalvas, vá correndo assistir a O Bebê de Rosemary. Brincadeirinha.

Até porque você já deve ter assistido.

Assim, agora você constatará que Mãe! tem uma estrutura idêntica: a mocinha recém-casada com um homem egoísta, vivendo em uma casa de atmosfera sinistra, rodeada por intrusos, que, sob o toldo de certa formalidade, são invasivos e sombrios.

Em O Bebê de Rosemary, Ruth Gordon ganhou o Oscar ao interpretar a vizinha de Rosemary, uma bruxa suavemente aterrorizante, que vai se acercando do casal até quase a asfixia. Em Mãe!, quem faz esse papel é Michelle Pfeiffer, esguia como sempre, macabra como nunca.

Foi bem, Michelle Pfeiffer. Sua personagem estava meio que ganhando o filme, mas acho que o diretor se arrependeu e decidiu chamá-la outra vez para a reserva, tipo o Éverton, do Grêmio.

Aronofsky parece querer emular Polanski em tudo. Ele inclusive namora a atriz principal, como Polanski gostava de fazer. Mas é claro que, em algum momento, sua obra teria de declarar independência de Polanski, e ele tenta fazer isso a partir da segunda metade da história. É então que o filme cai. Toda a parte boa é Aronofsky imitando Polanski, toda a parte ruim é Aronofsky sendo original.

É esse o busílis. Aronofsky é um diretor competente. Você percebe que ele entende o segredo de toda história bem contada: a tensão. Uma história tem que despertar certa tensão, ou o público se desinteressa da trama. Mas, da tensão necessária, ele passa à pretensão dispensável. E o filme se torna tristemente pedante. Por isso, você sai do cinema como saí: sem saber o que pensar daquelas duas horas que você generosamente doou a Aronofsky.

Moral da história 1: nada mais difícil do que a simplicidade.

Moral da história 2: assista de novo a O Bebê de Rosemary.

DAVID COIMBRA