quinta-feira, 7 de dezembro de 2017


07 DE DEZEMBRO DE 2017
DAVID COIMBRA

Quem ganha com a Justiça lenta


No Brasil, a lei falha porque tarda. Pegue o caso exemplar de Lula. Se puder, esqueça o personagem político, para não nos refocilarmos no lodoso debate supostamente ideológico do momento. Pense, apenas, no réu Lula, sem nem ponderar se ele é culpado ou inocente.

Considere que, nesta semana, Lula, através de seus advogados, reclamou da celeridade do TRF4. Ele acha que o tribunal está sendo rápido demais no julgamento da sua apelação. Como se sabe, Lula foi condenado em primeira instância, o que tenta reverter na segunda, que é, exatamente, o TRF4.

O fundamental, na interpretação da lei, é a intenção do legislador. Que deve sempre atender à vontade do povo. Então, a pergunta a se fazer é: o que pretendia a Constituição de 1988 ao criar esse número de instâncias jurídicas no Brasil? A resposta é óbvia: traumatizados com os desmandos da ditadura, os constituintes queriam evitar injustiças. Foram aumentadas as possibilidades de apelação a fim de diminuir as chances de se condenar um inocente.

A intenção era ótima, o resultado foi péssimo. Por esse sistema, quem dispõe de recursos consegue adiar a execução da sentença para as calendas gregas. Você sabe o que são calendas gregas: "calendas", palavra da qual derivou a nossa "calendário", era o primeiro dia de cada mês romano. Essa palavra não existia em grego. Logo, quando um romano avisava que ia fazer algo "nas calendas gregas", queria dizer que ia fazer em uma data que não existe. O nosso Dia de São Nunca.

Ora, em tese, quando um réu apela à instância superior, o que ele quer é a correção da presuntiva injustiça. Isto é: ele se acha inocente e espera que a condenação seja revertida. Assim, o condenado deveria estar ansioso para que seu recurso fosse apreciado com rapidez, para se livrar o quanto antes do peso do Estado sobre seus ombros. Mas não é o que acontece, e o caso de Lula prova isso com solidez. Porque Lula e seus advogados não apenas querem, eles exigem a lentidão da Justiça. A intenção é evidente: é fazer com que a pena simplesmente não seja cumprida. É garantir que não se faça justiça.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disse o seguinte, ao proferir seu voto sobre a execução da pena nas condenações em segunda instância: "Nenhum país exige mais do que dois graus de jurisdição para que se dê efetividade a uma decisão criminal. Até porque a conclusão de um processo criminal muitos anos, mas muitos anos, depois do fato é incapaz de dar à sociedade a satisfação necessária. E, quando isso acontece, o Direito Penal acaba não desempenhando o papel mínimo que ele deve desempenhar, que é da prevenção geral, da dissuasão de condutas incompatíveis com a lei".

É isso. A intenção do legislador foi distorcida. A lei está sendo mal usada. Ou, pior, usada para o Mal. Porque, quando processos podem ser atirados nas calendas gregas, ganham os ricos e poderosos, que podem, assim, viver à margem da lei. Ganham os advogados que trabalham para esses ricos e poderosos. Perdem os tribunais, que ficam soterrados de apelações e embargos. Perde o Estado, que tem de disponibilizar funcionários e recursos para atender a todas essas demandas. Perdem os pobres, que se reduzem a raça inferior juridicamente. Perde a Justiça.

DAVID COIMBRA