quinta-feira, 27 de dezembro de 2012



27 de dezembro de 2012 | N° 17295
PAULO SANT’ANA

A angústia

Os médicos que limpam periodicamente os meus ouvidos são os mais competentes da cidade.

Mas, quando eles aspiram meus ouvidos, fico tomado de angústia. Isto é, ansiedade e aflição.

Nunca tive dor alguma enquanto aspiram meus ouvidos ou mexem nas profundezas deles com algodão e remédios levados até lá por um bastonete de aço.

Repito, nunca tive dor. Mas angústia é equivalente a dor.

Eu até traduzo a palavra angústia como “medo da dor”.

A dor é uma sensação desagradável, leve ou intensa, produzida pelas terminações nervosas.

Quando é muito grande a dor, sempre se junta a essa sensação a palavra “insuportável”.

A dor é por vezes insuportável, mas a angústia a gente suporta.

Eu até acho que, se a angústia está se tornando insuportável por muitos dias, ela se transforma em depressão, que é o grau máximo de ansiedade.

Penso também que a felicidade nada mais é do que a ausência mais completa de angústia e dor.

Existe também o que se chama de “dor moral”.

Deve ser algo como uma grande preocupação ou lástima.

Quando morre um filho ou uma mãe, quem os perde sente profunda dor moral.

Com o tempo, esta perda diminui um pouco em sua intensidade, mas então ela se transforma numa espécie de cicatriz, que vez por outra lateja desagradavelmente.

Existe também uma tal de “dor reflexa”, que é quando se tem um ferimento ou desconforto em uma parte do corpo, e a dor se manifesta noutra.

Eu a chamo de “dor quero-quero”, que é a ave que põe ovos num lugar e canta noutro, certamente para enganar os possíveis inimigos.

Tudo o que os humanos buscam, em síntese, é não ter dor, nem física nem espiritual.

Por incrível que pareça, há dores espirituais mais cruciantes do que dores físicas.

A mais completa ausência de dor se manifesta no prazer.

O prazer é o contrário absoluto da dor.

Vou tirar uns 15 dias de férias. Estarei morrendo de saudade desta coluna, que será escrita pelo sensibilíssimo Moisés Mendes.

Enfim, 15 dias de férias. Enfim, ingresso no meu regime semiaberto.

Desejo um feliz ano novo aos leitores e leitoras desta coluna, estarei ansioso por reatar este contato de 41 anos sublimes e consecutivos.