FERREIRA
GULLAR
Será esse o cara?
A
atuação de Joaquim Barbosa durante o julgamento do mensalão chamou a atenção do
país
O
DISCURSO de posse de Joaquim Barbosa na presidência do Supremo Tribunal Federal
me fez olhá-lo de maneira especial. Não é que antes fizesse restrições ao seu
desempenho como relator do mensalão.
Pelo
contrário, desde o primeiro momento admirei a coragem moral com que votou pela
punição dos réus e particularmente daqueles que gozavam do apoio ostensivo do
PT e de Lula. Quando se sabe que sua presença no STF se deveu à indicação do ex-presidente
petista, a independência com que julgou figuras como José Dirceu e José Genoino
provocaram a admiração de amplos setores da opinião pública e a minha em
particular.
Mas
o seu discurso de posse me revelou outra coisa: revelou-me que ele não é apenas
um juiz severo e independente na aplicação da lei, como é também um homem lúcido,
maduro, que dispensa as firulas e salamaleques no exercício da missão de julgar.
A
firmeza tranquila de sua postura e a dos outros oradores, ao tratar dos
problemas da Justiça brasileira e das mudanças que ela está a exigir, me fez vê-lo
como um exemplo de magistrado e de cidadão.
Não é
que as falhas que apontou em nossa Justiça sejam desconhecidas de todos. Importa
que aquilo foi dito por um juiz, naquela ocasião, ao assumir a presidência da
mais alta corte da Justiça brasileira, num momento solene, quando,
costumeiramente, preferem-se as palavras solenes e a falsa modéstia. Ou seja,
os salamaleques.
Em
seu discurso, Joaquim Barbosa disse que, quando se fala em igualdade, é preciso
honestidade intelectual para reconhecer que há um grande deficit de Justiça
entre nós. E acrescentou: "De nada valem as edificações suntuosas,
sofisticados sistemas de comunicação e informação, se naquilo que é essencial,
a Justiça falha".
Todos
sabemos disso, já que o Brasil se caracteriza como um país da impunidade. Por
isso mesmo, é estimulante ouvi-lo da boca do novo presidente do Supremo
Tribunal Federal. É estimulante porque sabemos que não se trata de mera retórica,
uma vez que foi precisamente a firme disposição de punir severamente os
culpados que lhe conquistou a admiração popular.
A
atuação de Joaquim Barbosa durante o julgamento do mensalão chamou a atenção do
país para ele, como pessoa, e isso deu maior relevo à sua atuação como ministro.
Nascido numa família muito pobre, filho de um pedreiro, dispôs-se a trabalhar e
estudar, superando todos os obstáculos de cor e de classe social. Formou-se em
direito pela Universidade de Brasília, depois em direito público pela
Universidade de Paris, e ainda estudou idiomas, o que lhe permite hoje
expressar-se fluentemente em inglês, francês, espanhol e alemão.
Essa
mesma firmeza de caráter, mostrada durante o julgamento, influiu nos demais
membros do STF. A cada intervenção sua, a cada análise da conduta dos
envolvidos naquele processo, a parte da sociedade brasileira, que acompanhou
pela televisão aquele julgamento, identificou-se com a sua decisiva disposição
de punir os que atentaram contra a democracia brasileira e os valores éticos
que a sustentam.
E
isso pode ter importantes consequências: a impunidade que impera,
particularmente quando o delito envolve o interesse público, é um dos
principais obstáculos à solução dos problemas nacionais. Basta considerar as
recentes denúncias de falcatruas envolvendo centenas de milhões de reais,
ocorridas em todos os níveis da administração pública. Diante desses escândalos
a que temos assistido, o combate à corrupção e à impunidade é um fator
determinante do nosso futuro como nação digna e justa.
Mas
isso dificilmente acontecerá se o petismo continuar governando o país e aparelhando
a máquina do Estado. Sabemos que uma das primeiras medidas tomadas por Lula, ao
assumir a Presidência da República, foi revogar o decreto que obrigava o
preenchimento de cargos técnicos por técnicos. É que ele queria ocupá-los com
sua corriola, como o fez, para perpetuar-se no poder. Daí os mensalões.
As
alternativas existentes dificilmente seriam capazes, a curto prazo, de mudar
isso. Talvez seja por essa razão que, fora dos partidos, começa a esboçar-se um
movimento para fazer de Joaquim Barbosa o candidato da mudança.