29
de dezembro de 2012 | N° 17297
CLÁUDIA
LAITANO
Tem
dessas casas que a gente olha de fora e se imagina dentro – como dono. Pode ser
um pequeno sobrado escondido numa praia remota, uma construção sólida em uma
rua cheia de árvores na cidade ou mesmo um palácio de dimensões continentais no
lugar mais caro do mundo. (Certa vez, visitando o Museu Rodin, em Paris, me
ocorreu que se eu fosse uma aristocrata francesa do século 18, ou uma escultora
atormentada do início do século 20, era exatamente ali que eu teria escolhido
morar – o que deve ser mais ou menos o equivalente imobiliário de uma paixão
platônica pelo Brad Pitt.)
Essas
fantasias de janelas de frente para o mar, palácios rococós e cabanas no topo
de uma montanha povoam todo um bairro imaginário de lugares onde nunca vamos
morar. Enquanto aquela casa que se encaixa no lote de realidade que nos coube
viver é regida pela lógica dos financiamentos, das prestações, das reformas
emergenciais e dos vizinhos barulhentos, a casa dos sonhos permanece imaculada
no reino das abstrações, sem infiltrações do caráter perecível de tudo o que o
homem constrói com tijolos.
Alguns
poucos terão a sorte de poder comprar, construir ou mesmo herdar a sua casa dos
sonhos, mas basta o caminhão da mobília descarregar seus pertences na casa
imaginada para que ela imediatamente se evapore como fantasia para reencarnar
como bem imobiliário. O alicerce da casa dos sonhos é o desejo ainda não
realizado.
Casas
e apartamentos nos conquistam mais ou menos como as pessoas: um tanto pela
razão, outro tanto pelo arrebatamento. Nem todas as casas grandes e bonitas nos
atraem, assim como nem todas as construções antigas e malcuidadas perdem seu
encanto. É possível, portanto, percorrer uma rua desconhecida olhando para cada
construção como quem explora um salão de baile cheio de pretendentes.
A
beleza sempre é um elemento a ser levado em conta, mas só os muito tolos
escolheriam um lugar para morar olhando apenas para a fachada. Para despertar
nosso desejo de intimidade e convivência é preciso que a casa nos ofereça algo
que ultrapassa a mera dimensão dos cômodos e o prestígio da vizinhança.
Algumas
casas capturam nossa atenção porque são simpáticas e acolhedoras de um jeito
particularmente anacrônico. Nenhum sinal de reforma recente, nenhum item da
moda na decoração, nenhum arranjo de plantas que pareça receber cuidados
profissionais. São casas em que não me imagino como dona, mas como visita de
alguém que sempre estaria me esperando.
Porque
nem todas as casas dos sonhos estão instaladas naquele futuro cheio de
possibilidades onde pretendemos construir o espaço físico que melhor nos
reflete e traduz. A casa dos sonhos, às vezes, não é exatamente um endereço,
mas uma geolocalização existencial: um lugar de onde a gente saiu e para onde
sempre sabia que poderia voltar.