22
de março de 2014 | N° 17740
NÍLSON
SOUZA
Cleptografia
Sou
um involuntário ladrão de canetas. Como mantenho o antigo hábito jornalístico
de carregar sempre uma esferográfica no bolso, de vez em quando chego em casa
com a minha e mais outra, apanhada por distração em algum balcão ou mesa de
trabalho. Pior é que depois não sei a quem devolver. É por isso que repartições
públicas e agências lotéricas amarram as canetas em seus guichês, ainda que o
penduricalho cause incômodo aos usuários. Na condição de distraído confesso,
entendo bem a precaução.
Pois
a caneta esferográfica, não por acaso invenção de um jornalista na década de 1930,
parece também estar com os dias contados como sua sucedânea, a máquina de
escrever. Li estarrecido, outro dia, que gerações inteiras de crianças já não
praticam mais a escrita cursiva na escola. No mundo da tecnologia e da conexão
total, escrever à mão passou a ser dispensável. O celular, com suas múltiplas
funções, substitui a caneta, a máquina fotográfica, o videogame e, em alguns
casos, até o pensamento.
Surripiar
a escrita cursiva do ensino me parece bem mais grave do que levar uma ou outra
canetinha esporadicamente. Especialistas dizem que escrever à mão desenvolve a
motricidade fina e exercita regiões cerebrais que não são atingidas pela digitação,
especialmente por essa que é feita com os dedões opositores em smartphones e
tablets. Morro de inveja quando vejo a garotada digitar desse jeito, mas
continuo acreditando que a escrita manual mexe mais com a criatividade e com a
imaginação.
Com
a mecanização, ganhamos em velocidade mas perdemos em encanto. Porém, não dá para
culpar apenas a tecnologia. Mesmo quando a canetinha era a única alternativa
para o registro de informações e declarações, buscava-se a rapidez. Estudante
de Jornalismo na década de 1970, cheguei a ter aulas de taquigrafia, um método
de abreviaturas e símbolos para registro rápido de discursos.
Na
verdade, aprendi apenas o essencial e nunca cheguei a usar mais do que dois ou
três sinais taquigráficos na linguagem mista que passei a utilizar nos meus
blocos de anotações. Não é raro, porém, que meus registros apressados em letra
cursiva fiquem mais ilegíveis do que a própria taquigrafia. O importante é que
eu entendo.
Por
isso, não abandono a minha caneta. É com ela que faço diariamente a minha lista
de atividades, é com ela que anoto telefones importantes para depois registrar
no celular, é com ela que rabisco ideias para desenvolver crônicas como esta
que estou concluindo.
Só não
me lembrei de anotar onde foi mesmo que peguei esta caneta...