22
de março de 2014 | N° 17740
EDITORIAIS
ZH
RESPEITO AOS
CICLISTAS
A
morte de duas jovens universitárias no mesmo dia, ambas atropeladas por ônibus
enquanto circulavam de bicicleta, causa dor, indignação e reacende o debate
sobre a difícil convivência entre ciclistas e motoristas no trânsito de Porto
Alegre. A primeira coisa que se pode dizer sobre a dupla tragédia é que as
vítimas não podem ser consideradas culpadas.
Quem
tem o poder da morte nas mãos são os motoristas, e os veículos automotores não
podem continuar sendo considerados a prioridade nas ruas. Pedestres e ciclistas
têm idêntico direito de transitar livremente, e até mesmo de se distrair,
embora também devam se cercar de cuidados mínimos, além de cumprir as regras de
trânsito e de civilidade. O motorista, porém, é que precisa ser melhor
preparado para agir quando surge um imprevisto.
A
questão é que a verdadeira guerra travada hoje por espaço no trânsito só
costuma ganhar destaque em momentos de maior emocionalismo, como os que se
sucedem a fatos inconcebíveis como os registrados agora. Na mentalidade de
muitos motoristas que hoje lotam as ruas, bicicleta ainda é um veículo de
lazer, um pouco mais tolerável em finais de semana, de preferência com
circulação restrita a ciclovias ou ciclofaixas.
Nos
demais dias, de maneira geral, é vista simplesmente como um estorvo,
principalmente nas vias públicas. É preciso, por isso, que os condutores de
carro se conscientizem de que há uma mudança cultural em andamento e de que ela
é irreversível: veículos de duas rodas se constituem cada vez mais numa
alternativa real de deslocamento para quem estuda ou trabalha. E é nessa
condição que devem ser respeitados.
Por
razões semelhantes, quem se locomove de bicicleta ainda costuma, muitas vezes,
ser inacreditavelmente encarado, de forma preconceituosa, como uma espécie de
cidadão de classe inferior, sem condições de andar de carro e que, por isso,
acaba até mesmo tendo direitos mínimos ignorados.
Entre
essas garantias, estão as asseguradas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB),
como o princípio básico de que os veículos de maior porte são responsáveis pela
segurança dos de menor porte, ou a determinação de que é preciso observar
sempre uma distância mínima de 1m50cm nas ruas. Práticas usuais como a dos
“fininhos”, muitas vezes sem a necessária redução de velocidade, e de maneira
geral impunes, dão uma ideia do quanto ainda será preciso evoluir para
harmonizar os interesses de quem se desloca em áreas urbanas.
Independentemente
do rigor da lei e dos apelos ao bom senso, os ciclistas só terão o respeito que
lhes é devido com uma profunda mudança cultural, a partir da escola, da
educação das crianças e da formação de adultos responsáveis. Essa é uma tarefa
coletiva, mas especialmente do poder público, que de imediato deveria passar a
ser mais rigoroso com os infratores, mas também investir uma parcela maior das
receitas correspondentes a multas em educação permanente para o trânsito, como
prevê a lei.
Os
ciclistas só terão o respeito que lhes é devido com uma profunda mudança
cultural, a partir da educação das crianças e da formação de adultos
responsáveis.