25
de março de 2014 | N° 17743
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Alfaiate
injusto
O
trabalho é insaciável. Todo emprego. Não terá trégua, folga, desconto.
Desde
que comecei a trabalhar, aos 15 anos, não obtive nenhuma moleza. Nenhuma
compreensão.
Apesar
do excelente desempenho, é faltar por atestado médico, é se atrasar por
engarrafamento ou greve de transporte, que estarei enforcado.
No
trabalho, corda no pescoço é colar.
Não
aceitamos desculpas e justificativas, a única coisa que vale é baixar a cabeça
e se puxar.
O
currículo só conta para contratação, depois o passado é abolido. A desmemória é
valorizada. Render o máximo possível sempre, até quebrar. Se quebrar, não era
tão bom assim.
E
todos quebram. E todos cansam. E todos pedem um colo e um corrimão das escadas.
Não
receberá intervalo para se restabelecer, período para se recuperar. É quebrar e
suportar a troca imediata.
Ter
feito milagres antes não é recomendação. Somos amplamente descartáveis.
Carreiras
são jogadas fora num piscar de olhos, trajetórias consolidadas são dissolvidas
num rearranjo de forças.
Pode
ser um super-herói, um mago, um santo, um Hércules, um samurai, e não
encontrará imunidade.
Demoramos
um tempo imenso para adquirir credibilidade e facilmente extraviamos a
confiança.
O
trabalho é implacável. Não queira ser reconhecido, o reconhecimento dura 24
horas. A prática é se desconhecer ininterruptamente e recomeçar.
Você
poderá ser o melhor vendedor de uma loja por seis meses consecutivos, mas é
arcar com um dia ruim, somente um dia ruim, e será cobrado. Você pode ser o
melhor corretor de imóveis, acumular vendas irreais, mas é enfrentar uma semana
de deserto, que será criticado. Você poderá ser o melhor negociador
agropecuário, mas é assistir a um mês de vacas magras, que perderá seu chão.
O
trabalho é voraz, o que explica o quanto somos substituíveis.
Saudade
não existe no mundo corporativo. Saudade é um sentimento proibido. Saudade é um
luxo.
O
trabalho não respeita ausência. Ausência é vaga. Ausência é lugar a ser
preenchido, é alegria dos outros.
Quem
já saiu de um emprego e jurou que nada mais funcionaria e se frustrou porque
tudo continuou igual? Quem já largou um emprego de décadas, onde construiu a
maior parte de suas amizades, organizou surpresas e amigo-secreto, e acreditou
que ganharia um abaixo-assinado dos colegas para sua volta e não obteve um
e-mail sequer de solidariedade? Quem já foi o primeiro a entrar e o último a
sair no negócio e sua disciplina não rendeu ponto extra e bonificação na crise?
O
trabalho é um alfaiate ao contrário. Um alfaiate ao avesso.
Não
é a roupa que deve ser ajustada ao nosso corpo, é o corpo que deve ser ajustado
para a roupa.
Não
é o caso de cortar o tecido ou fazer bainha, nós é que temos que cortar mãos e
pés e emagrecer e nos adaptarmos de qualquer jeito.
Não
existe justiça no trabalho, talvez nem mais na família.
Nossa
esperança agora é não ser demitido dentro de casa.