sexta-feira, 28 de março de 2014


28 de março de 2014 | N° 17746
PAULO SANT’ANA

Justiça cruelmente injusta

O noticiário internacional de ontem foi dominado por um fato: o japonês Iwao Hakamada foi libertado após ficar 46 anos no corredor da morte, acusado de ter assassinado quatro pessoas, uma família inteira.

Hakamada foi condenado à morte, 46 anos atrás, por apunhalar até a morte o dono de uma pequena fábrica em que trabalhava, a mulher dele e seus dois filhos.

Durante o julgamento e em todos esses 46 anos de prisão, ele sempre se declarou inocente do crime e várias organizações de direitos humanos denunciaram que a investigação sofreu todo tipo de irregularidade.

O ex-boxeador de 78 anos disse ter sido coagido pela polícia a assinar uma confissão.

Ele, ontem, ao ser libertado, não mostrava expressão nenhuma, nem de dor nem de revolta. Foi recebido por sua irmã e por vários meios de comunicação.

Para simplificar, um homem inocente passou 46 anos encarcerado e agora se viu que não era o assassino.

Notem que o noticiário assinala que Hakamada sofre agora, ao ser libertado, de uma doença mental, pelo que pergunto: como não enlouquecer na prisão, durante 46 anos, com a consciência de que era inocente?

Se um homem culpado de crimes já deve sofrer na prisão, mesmo tendo sua consciência acicatada pela culpa, imaginem o sofrimento atroz e contínuo de um inocente trancafiado na prisão durante quase meio século.

O forte sentimento de injustiça que martela a sua mente só pode mesmo levá-lo à loucura.

Por isso é que sempre preguei, diante da discussão da pena de morte, que só poderia haver a pena máxima em um caso em que não sobrevivesse no processo qualquer dúvida sobre as acusações lançadas sobre o réu.

Só agora noto que eu estava errado: em qualquer caso, mesmo quando não seja o da pena de morte, ninguém poderá ser condenado quando se aflorar no processo a mínima dúvida sobre a acusação.

Por sinal, existe um brocardo que afirma, em latim, in dubio pro reo, ou seja, no caso de dúvida o réu tem de ser absolvido. Não o réu de pena de morte, mas o réu de qualquer crime menos grave.

Aparecendo dúvida no processo, os juízes ou os jurados tinham de ter a obrigação legal e compulsória de absolver o acusado

Agora, me dói como deve doer a todos o caso desse japonês injustiçado.

Por falha da lei japonesa e que é falha também da lei brasileira: todo réu em cujo processo aparecer a mínima dúvida tem de ser imediatamente considerado inocente. E, se estiver preso, terá de ser na hora libertado.

É claro que a dúvida de que falo tem de ser relevante. Caso contrário, se dirá que sempre aparece dúvida em qualquer processo.


E eu, por sinal, não tenho dúvida: agora que foi provada a inocência, não vão enlouquecer também os que condenaram esse triste homem?