28
de março de 2014 | N° 17746
ARTIGOS
- Jônatas Marques Caratti*
Vinte anos de
escravidão
Está
em cartaz nos cinemas o filme 12 Anos de Escravidão, que conta a história de
Solomon Northurp, um homem negro nascido livre em Nova York, mas sequestrado e
vendido como escravo para o sul dos Estados Unidos. Solomon sabia ler e
escrever numa época em que muitos brancos não sabiam e também tocava violino.
No
entanto, ao ser escravizado ilegalmente, recebeu um novo nome, Platt. Solomon
foi obrigado a não falar seu verdadeiro nome. Northurp foi vendido a diversas
senhores, viajou num imundo navio negreiro, foi leiloado como mercadoria e
trabalhou em plantações de algodão e açúcar. Finalmente, após 12 anos
procurando meios de libertar-se, Solomon foi localizado e libertado por seus
antigos amigos, que o conheciam e sabiam de sua verdadeira identidade.
Os
leitores, a esta altura, devem estar pensando que o título deste artigo é um
equívoco. Foi, na verdade, uma provocação. O que quero revelar é que casos de
escravização como o de Solomon Northurp aconteceram aqui no Brasil e, mais
especificamente, aqui em nosso Estado, na época chamado Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul.
Não
é preciso ir longe para encontrarmos experiências de reescravização e
escravização ilegal. É só dirigir-se à Rua Riachuelo, 1.031, no Arquivo Público
do Estado, situado no centro histórico de Porto Alegre. Lá, o interessado
encontrará milhares de documentos que revelam casos cinematográficos que mereceriam
ser gravados por cineastas gaúchos.
A
africana Joaquina Maria fugiu de Jaguarão em 1843, para dirigir-se ao Uruguai,
país que aboliu a escravidão em 1842, muito antes do Império do Brasil. De lá,
sua filha, nascida livre, foi apreendida e vendida como escrava em Pelotas.
Também do Uruguai, o menino Anacleto, de apenas nove anos de idade, foi levado
em 1860 por um índio e um mulato e foi vendido em Rio Grande.
A
jovem Reina, em 1854, estava preparando a ceia quando sua casa foi invadida por
três sequestradores que a levaram para São Leopoldo, depois de duras jornadas
feitas na calada da noite. Em 1858 na cidade de Bagé, Baltasar, de 12 anos, foi
amarrado quando brincava perto da cadeia e vendido como escravo em Pelotas.
Vinte
anos de escravidão. Foi entre os anos de 1842 e 1862 que localizei em arquivos
a história desses indivíduos negros livres ou libertos que foram reescravizados
ou escravizados ilegalmente. Alguns destes, como Solomon, foram encontrados e
libertados. Outros não tiveram a mesma sorte.
Vivemos
num país onde o preconceito e a exclusão social são presentes. As marcas da
escravidão ainda são percebidas. Quem puder assistir ao tocante e dramático
filme 12 Anos de Escravidão, assista. Mas, por favor, não esqueçam dos 20 anos
– e tantos outros – de escravidão por qual passaram diversos personagens de
nossa história. Suas vivências também merecem ser contadas e, quiçá, gravadas.
*PROFESSOR
UNIVERSITÁRIO E HISTORIADOR