27
de março de 2014 | N° 17745
EDITORIAIS
ZH
CRIME INOMINÁVEL
Às vésperas
de uma data triste para o país, os 50 anos do golpe civil-militar de 1964, começam
a vir a público depoimentos de agentes da repressão que reafirmam, de forma
explícita ou com eufemismos, o uso da tortura de presos políticos durante o
regime ditatorial. Foi assim com o depoimento do coronel reformado Paulo Malhães
à Comissão Nacional da Verdade.
Malhães
não só admitiu que os inimigos do regime sofriam violências nas prisões, como
forneceu detalhes aterrorizantes sobre a mutilação de corpos, para que não
fossem identificados. O militar repetiu que não se arrepende do que fez, a
mesma linha de defesa do também coronel Brilhante Ustra, que não se referiu
diretamente à tortura, mas a excessos, em entrevista a Zero Hora do último
domingo.
Ambos
convergem para a tentativa de justificar seus atos e dos militares que
torturaram ou ordenaram torturas, como se tal recurso fosse aceitável para que,
segundo eles, chegassem à verdade. Ambos, a tortura e o conteúdo dos
depoimentos à Comissão e à ZH, são abomináveis.
Torturadores
são criminosos sádicos, a tortura é um crime repugnante, e o Estado torturador
ofende a civilização, o bom senso e a própria condição humana. Não se pode
transigir em relação a isso. Ressalte-se, no entanto, que Ustra, Malhães e
outros já denunciados por atos violentos contra prisioneiros agiram em nome de
quem detinha o poder. Os militares, seus superiores e seus subordinados foram
usurpadores do Estado e se utilizaram de suas estruturas para agir de forma
autoritária e criminosa.
Há muito,
antes mesmo da redemocratização, o país se questiona sobre as arbitrariedades
cometidas durante a ditadura. O depoimento de Malhães apenas confirma o que os
brasileiros já sabiam em relação à tortura, à morte e ao desaparecimento de
presos políticos. É compreensível que, em meio à consternação de tais revelações,
parcela importante de cidadãos condene a oportunidade dada a torturadores para
que falem de seus atos ou mesmo neguem acusações. O que a Comissão da Verdade e
o jornalismo fazem, em casos como esses, é parte do cumprimento de suas atribuições,
para o esclarecimento de fatos históricos, por mais repugnantes que possam ser.