30
de março de 2014 | N° 17748
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Chore por mim Argentina!
Tinha
esquecido o que é pisar em cocô de cachorro até visitar Buenos Aires.
Era
atalhar a praça: pisava na m. Era descer do carro: pisava na m. Era atravessar
a rua: pisava na m.
Quando
vi placa de não pise na grama entendi como ironia. Não pise no cocô da grama. A
grama é a última visita dos meus calçados.
Passei
noites escovando meus tênis em baldes, enfrentando a repulsa de tirar a
porcaria dos frisos.
Ninguém
merece lavar as solas no tanque. Uma escovinha jamais resolve, é preciso partir
um prendedor e cavar os resquícios em linhas horizontais e verticais. Serve
faquinha velha, desde que não reponha na gaveta.
É o
equivalente a jogar um cubo mágico com a nojeira. Mexer o quadrado de um lado e
de outro. O nariz desaparece para não influenciar a boca.
Fui
figura desagradável em vários momentos portenhos. Entrava em espaços fechados (teatro,
livraria e cinema) e alguém gentilmente me informava que não cheirava bem.
Abortei
sessões pela metade, frustrei passeios, incomodei a família com desengonçado
tango.
Estava
desacostumado. Foi quando percebi o quanto Porto Alegre evoluiu nos hábitos.
Recebi
aquela saudade boa, que vem do orgulho.
Eu não
mais atolo meu pé em nenhum cocô de cachorro na minha cidade. Faz muito tempo. Quase
uma eternidade.
Na
minha infância, ir para a escola consistia num caminho com obstáculos. Não
havia chance aos distraídos. Observava a lua se despedindo do céu e já pagava o
pedágio do chão.
Derrapava
em dois cocôs por semana. No mínimo. E muitas vezes de chinelo, com a matéria
gosmenta e viscosa atingindo os pés. Outras vezes, encardia o cadarço,
spaghetti al sugo.
Nada
disso mais acontece. Os donos dos cães porto-alegrenses modificaram
radicalmente sua conduta. Civilizaram as calçadas. Recolhem as necessidades de
seus cachorros no ato. Todos passeiam com uma sacolinha plástica. Quem esquece é
malvisto pelo bairro, banido moralmente das redondezas. Existe uma fiscalização
sutil, uma educação de respeitar o próximo, de poder sonhar livremente com
poemas e suspiros sem se importar em tropeçar nos contratempos mundanos.
Minha
mãe sempre me consolava dizendo que pisar em cocô de cachorro significava sorte.
Prefiro ser azarado a ser argentino.