15 de novembro de 2016 | N° 18687
DAVID COIMBRA
O Brasil odeia o capitalismo
Quando o seu maior valor é a liberdade individual, você tem de ser capitalista e democrata.
Não há alternativa. Os Estados Unidos são os campeões da democracia capitalista devido a esse valor, e não o contrário. Isto é: não são as condições econômicas que determinam a personalidade da nação, é a personalidade da nação que determina as condições econômicas.
O Brasil é avesso ao capitalismo também devido à personalidade da nação. O brasileiro troca a sua independência e a sua privacidade pela proteção do Estado e o calor da família.
Nem o empresário brasileiro é capitalista, porque ele está sempre contando com o favor do Estado.
Ontem estava ouvindo uma rádio daqui, a WBUR-FM, que tem um slogan de que gosto: “All things considered”. Falava um sujeito nativo de algum país árabe, que mora nos Estados Unidos. Ficou mais de cinco minutos contando sua história e, nesse tempo, citou o sempre citado “sonho americano” pelo menos quatro vezes. Disse ele, com orgulho, ter realizado esse sonho.
Qual é o sonho americano? É trabalhar e vencer. Qual é o sonho brasileiro? É deixar de trabalhar.
Nos Estados Unidos, o ideal da sociedade é permitir que o indivíduo conquiste as coisas por seu próprio esforço. No Brasil, o ideal da sociedade é construir um Estado que ofereça as coisas ao indivíduo.
Nos Estados Unidos, o grande valor é a liberdade; no Brasil, a igualdade.
Um povo e outro pode não ter nada disso, mas é por isso que luta e sonha.
Nas novelas da Globo, todas as pessoas de uma família, mesmo rica, vivem juntas, numa única casa. A nora e a sogra se odeiam, mas não cogitam morar em outro lugar. Na prática, algo completamente ilógico, mas ninguém questiona, porque essa fórmula familiar está impressa no imaginário do brasileiro. A família, apesar da convivência muitas vezes inconveniente, abraça, protege e aconchega. O americano dispensa o abraço, a proteção e o aconchego porque não admite a inconveniência.
Estou fazendo toda essa digressão para falar da vitória de Trump. Há uma fórmula matemática que ajuda a compreender esse fenômeno. A seguinte:
Quanto maior o Estado, menor a liberdade do indivíduo.
No Ocidente do século 21, os Estados não crescem tanto na área econômica, porque já constataram que não funciona; crescem na regulamentação comportamental. Cada vez mais o Estado diz o que o cidadão deve ou não fazer. O Estado está vigilante tanto a respeito da sua opinião sobre as mulheres quanto da quantidade de sal que você coloca na batata frita. Os Estados ocidentais, hoje, são a expressão institucional do politicamente correto.
Bem. Quando as comunidades politicamente corretas tornam-se intolerantes na defesa de um único tipo de comportamento, o homem que ama a liberdade individual reage com força. E, sim, as comunidades politicamente corretas são intolerantes na defesa de um único tipo de comportamento. Você sabe de que lado estarão essas pessoas, em todos os temas, a priori, antes de ser apresentado qualquer pormenor sobre o tema.
Não há ponderação, não há relatividade. Está tudo já pensado e já decidido. Há uma vasta massa de intelectuais que produzem toneladas de pensamento com argumentos diferentes para chegar sempre à mesma conclusão. Sempre. É notável. Lance um assunto aleatório, do aquecimento global ao Campeonato Brasileiro, e a opinião é idêntica (eles são a favor dos pontos corridos, aliás).
O politicamente correto, na política, se hospeda na esquerda. Logo, quem começa a faturar é a direita, em geral mais flexível – um conservador na economia, por exemplo, pode ser liberal nos costumes. Mas, tragicamente, esse tempo de excessos à esquerda produziu uma direita que também é uniforme no pensamento. Até os anos 1980, havia direitistas brilhantes. Roberto Campos e Simonsen na economia, Nelson Rodrigues e Paulo Francis na imprensa, entre tantos, eram cultos, inteligentes e inovadores. Homens como eles são raros. Sobraram os polêmicos profissionais, como Trump.
Quando Trump expressa uma opinião preconceituosa, o homem que preza a liberdade individual se regozija, porque não identifica o preconceito, e sim um valente que não tem medo de dizer o que pensa. E o melhor: Trump é um empresário bem-sucedido, é alguém que realizou o sonho americano. Um herói da iniciativa e do indivíduo. Um herói do capitalismo.