12 de novembro de 2016 | N° 18685
MÁRIO CORSO
Todo torcedor é bipolar
Os psiquiatras não desenvolveram o termo bipolaridade observando pacientes, e sim torcedores. Só depois perceberam que o conceito poderia ser útil para pensar o comportamento de algumas pessoas.
A lógica do torcedor é simples e direta: só se move pela hipérbole, pela grandiosidade, pelos extremos. Ou ele está rumo a disputar o Mundial de Clubes, ou sente que o chicote do destino o empurra para a segunda divisão. Os meios-termos não fazem parte do seu sistema classificatório. Para a sua esquadra amada, só existem céu e inferno. Ou tomará cerveja gelada com batatinha frita junto a São Pedro, ou leite de soja morno com petiscos de tofu na companhia do medonho.
Se o time venceu três partidas seguidas, já vai fazendo a faixa de campeão e separando dinheiro para as viagens dos jogos da Libertadores. Perdeu três seguidas, começa a fazer novena para sensibilizar as potências celestes contra o descenso inevitável. A bipolaridade é a angústia de não conseguir descolar-se do presente; aquilo que é nunca mais deixaria de ser.
O time sofre uma goleada, e o torcedor começa a fazer os cálculos. Admite que ficar na divisão em que está é a conquista do ano. Na outra semana, goleia o lanterna e projeta que a liderança é uma questão de duas rodadas.
O técnico que usou quatro volantes e ganhou é um gênio a ser indicado para o Nobel do futebol. Aliás, vão criar a categoria Nobel de Futebol por causa de suas brilhantes inovações táticas, que revolucionaram a lógica do futebol e são uma inspiração intelectual para o planeta. O mesmo técnico, em outra partida, dessa vez perdida, com a mesma escalação esdrúxula, ganhará diploma de cretino autenticado pela Fifa. Em ambos os casos, o torcedor já sabia onde isso iria dar, mas, como só fala depois, ele é uma espécie de profeta do acontecido. Sua frase é: “Eu não disse?”.
Estranhamente, uma peça foge à curva desse raciocínio: o juiz. Um árbitro pode prejudicar muito seu time, o que, aliás, não seria de hoje, sempre houve essa conspiração, seu time é historicamente prejudicado. Mas a contrapartida nunca foi observada. Um juiz que tenha favorecido seu time é praticamente desconhecido. Quando admite que o juiz ajudou, foram erros mínimos que não alteraram o resultado. Afinal, diz ele: ganharíamos da mesma forma se o juiz não tivesse anulado os dois gols legítimos do adversário, nem expulso injustamente a dupla de zaga deles, nem visto que o nosso pênalti foi cavado. Isso são detalhes...
Para o torcedor, na vitória não existe sorte, existe competência, dedicação, inspiração, estratégia. Já na derrota, não só o azar existe, como mil evidências comprovam essa praga que o acompanha por temporadas. A zica gruda na sola da chuteira como um chiclé do demônio.
Quando o adversário lesiona um jogador de seu time, o torcedor reivindica um B.O. e pede a prisão do facínora. Mas, quando é seu o jogador que teve seu dia de Mike Tyson, argumenta que futebol não é jogo para meninas e que foi um revide que teria que ser entendido na dimensão dialética da história dos embates.
Creio que não seja necessário dizer que o bipolar nunca admite que é bipolar, pois, para ele, bipolar são os outros. O torcedor, apesar de saber-se enamorado, pensa ser capaz de orientar-se na neblina das paixões clubísticas.
Os deuses nos deram o futebol para purgar a racionalidade, dar férias para o bom senso, rir das nossas parcialidades. A bipolaridade esportiva faz parte da comédia da vida. O drama começa quando a lógica da passionalidade invade os gramados da política. Começa um jogo em que todos perdem.
O colunista Luis Fernando Verissimo está em férias