19 de novembro de 2016 | N° 18692
DAVID COIMBRA
“É tão bom cuidar dos pobres”
Não senti prazer ao ver o vídeo de Garotinho esperneando e gritando ao ser levado para o presídio de Bangu. Nem ao saber que outro ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, teve a cabeça raspada ao entrar na mesma penitenciária.
Não me comprazo com a desgraça. Mas há algo a festejar nesses dois fatos. É que o Brasil mudou.
Todos nós sempre soubemos do que acontecia na política e todos nós sempre dissemos que nada jamais teria consequência. Agora tem consequência. Agora, poderosos criminosos estão indo para a cadeia.
Digo poderosos criminosos porque é isso que eles são, e não o contrário. Eles não são criminosos poderosos. Não são como o Dadinho, da Cidade de Deus, que se transformou em Zé Pequeno. Não são contraventores que viraram chefes de gangue. Não. Foi o poder que os tornou criminosos e não o crime que os tornou poderosos.
De certa forma, é bem pior. O criminoso de raiz não ilude ninguém. Ele atua à margem da lei, não por dentro dela.
No Brasil, o poder e o crime sempre foram aliados, mas, nos últimos anos, esse consórcio se fortaleceu por conta de dois fatores. O primeiro foi a onda de prosperidade do país; o segundo, o populismo.
O populismo é solerte, porque fornece a justificativa para o ilícito. E, não, a prosperidade não se deu por responsabilidade do populismo como querem fazer crer alguns. A prosperidade se deu porque o Brasil conseguiu controlar a inflação, o que proporcionou segurança à economia, e porque a contingência internacional era favorável. Assim, o populismo pôde se aproveitar da prosperidade a fim de se entranhar na sociedade, como soem fazer os regimes populistas.
Sérgio Cabral é o populista clássico. Gozador, falastrão, cheio de confiança. Um carioca malandro. Até demais.
Exatamente por ser malandro em demasia e por ter confiança em excesso que ele hoje divide uma cela de nove metros quadrados com outros cinco detentos, em Bangu.
Garotinho, o esperneador, tem mais chances de sair de lá do que ele. Porque foi menos confiante do que ele. Circula “nas redes” um vídeo de Lula dando depoimento sobre Sérgio Cabral. Lula diz que Cabral é “pura emoção” e que não foram poucas as vezes em que o viu com lágrimas nos olhos só de falar no povo do Rio de Janeiro.
Ali está, num vídeo de 30 segundos, o resumo do populismo brasileiro. Principalmente porque o discurso é feito pelo maior populista brasileiro de todos os tempos.
Ninguém ganha dele. O populismo de Lula é mais viscoso até do que o de Getúlio Vargas, porque Getúlio era um latifundiário, um homem da elite, tinha baixa adesão entre os intelectuais.
Já Lula é o personagem dos sonhos do intelectual: é um ex-operário que fala errado. O intelectual sente-se imediatamente fascinado por esse tipo tão diferente dele, que parece conhecedor dos mistérios da chamada “sabedoria popular” que ele, intelectual, jamais alcançará. Se Lula fosse índio, os intelectuais uivariam para a Lua ao avistá-lo.
Em sua ode a Sérgio Cabral, Lula destaca, com precisão, as qualidades que o populista pretende ter. Lula começa o vídeo com uma frase extraordinária, uma sentença que tem de ser lembrada e relembrada pela posteridade, até que aprendamos alguma coisa:
“É tão bom cuidar dos pobres”.
Oh! O suposto herói se refocilando de prazer com seus supostos méritos. Lula ama “cuidar dos pobres”. É o Grande Pai Protetor, que estende sua mão generosa para a escumalha e a retira do lodo em que vive. Veja os pobres ali embaixo. Eles apontam o queixo para o céu e lançam olhares de admiração e agradecimento infinitos para o Pai Lula. Eles arquejam, com a língua de fora, e balançam os rabinhos de contentamento quando O Homem se curva para lhes afagar a cabeça. O Pai Lula, então, se emociona. Ele está ao lado de Sérgio Cabral. Ambos têm lágrimas nos olhos.