sábado, 1 de dezembro de 2018



01 DE DEZEMBRO DE 2018

CARPINEJAR

Seria o seu filho de qualquer jeito

Quando você aceita o amor dos pais é que finalmente amadureceu e se aceitou. Corresponde a uma alta na terapia familiar.

Uma observação simples que guardo, agora adulto, no estojo das convicções.

Quando você não sente mais vergonha de abraçar e beijar os pais em público, quando você não sente mais vergonha de suas piadas na mesa, quando você não sente mais vergonha do que eles falam de você para os amigos, quando você não sente mais vergonha de seu completo despreparo para localizar a câmera no celular ou mandar uma foto, quando você não sente mais vergonha de alguma roupa antiga ou de algum sapatinho colorido ou de alguma bolsa cafona, quando você não sente vergonha de apresentar o namorado tatuado ou a namorada de piercing, quando você não sente mais vergonha de folhear os álbuns de fotos, quando você não sente mais vergonha do pai aplaudindo um pouso difícil de avião ou da mãe gritando "Bravo!" em um filme no cinema, quando você se vê livre dos preconceitos que adiam a paz e participa junto do vexame infinito que é viver.

Neste momento, você, tão acostumado a criticar, também passa a confiar nos elogios dos pais. Quem somente presta atenção no lado ruim dos outros não é capaz de identificar o lado bom.

Eu nunca admitia nenhuma declaração de amor deles porque eu não conseguia me declarar. Achava ridículo me declarar. O eu te amo subia até a garganta e engolia de volta, como uma gripe educada. Partia do princípio de que os pais sabiam telepaticamente de minha afeição, e era dispensável o testemunho.

A mãe sempre pairou acima das minhas suspeitas da juventude e da invariável incompetência emocional. Mesmo diante da cara amarrada e do desconforto, costumava declarar que seria filho dela de qualquer jeito.

Se eu não tivesse saído de seu ventre, eu sairia de seu coração. Se não tivesse sido fruto de sua gestação, seria árvore de seus caminhos. Se não tivesse partido de sua carne, ainda nos reconheceríamos na rua e no parto de seus olhos.

Eu acreditava que ela exagerava, dramatizava, extrapolava a cota normal da pieguice. Hoje acredito. Hoje sei o quanto é verdade.

Existem pessoas tão generosas que vêm ao mundo com duas almas. Como a minha mãe Maria Carpi.

Quando eu perdi a minha alma, ela me emprestou a sua e ainda avisou que não havia nenhuma pressa para devolver.

CARPINEJAR

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