sábado, 1 de dezembro de 2018


01 DE DEZEMBRO DE 2018
CHRISTIAN DUNKER

COMO ESCUTAR O OUTRO EM TEMPOS DE ACOLHIMENTO E INTIMIDAÇÃO?

Os últimos tempos, pré e pós-eleitorais, marcaram uma mutação expressiva da imagem que os brasileiros tinham de si. Sai o homem cordial e o jeitinho brasileiro, entra o novo tipo de fundamentalismo no qual todos são corruptos e privilegiados até que se prove o contrário. As imagens que temos de nós mesmos são, por definição, encobrimentos narcísicos diferentes do que realmente somos. Imagens dependentes do ângulo que se quer mostrar e das sombras que produzimos para nos proteger de nós mesmos. 

Aparências são importantes também no sentido simbólico, pois elas retratam nossa relação com a lei. Pense em como nos comportamos diante das "crianças" ou naquele casal em guerra pré-falimentar, mas que gasta suas últimas energias, psíquicas e morais, para manter as aparências. Quando abandonamos o "como se" e o registro da ficção, o que sobra não é a transparência autêntica, mas tão somente nosso desrespeito à lei simbólica.

O sentimento geral de que paramos de nos escutar, de que o debate tornou-se improdutivo e que daqui para frente o que vale é a força ampara-se nestes dois processos: o primeiro fixa a pessoa a uma imagem, depois disso, tudo o que ela disser só confirma a posição na qual ela foi colocada. O segundo exercita a estética tosca da liberalização das aparências, a partir da qual temos a ilusão de que estamos vendo por dentro as entranhas do poder. O ponto de junção entre estes dois processos é esta espécie de nova lei geral baseada na intimidação. Intimidar vem de íntimus, profundo, secreto e privado. Combina-se com intimação, ou seja, convocar o outro a responder. 

Intimidar é levar o outro ao limite de sua timidez ou reserva, produzir embaraço ou vergonha ou medo. Thyimós, em grego, era este órgão dos afetos, a voz de nossas disposições e incertezas, o lugar onde sentíamos raiva, inveja ou piedade. Neste sentido, intimidar é fazer com que alguém se reduza ao seu próprio timo, e assim escute apenas seus afetos. Sobretudo não exteriorizar mais do que a subordinação imposta pelo outro permite. Em suma, a intimidação é uma forma de silenciamento do outro, um modo de aprisioná-lo a ouvir apenas a sua própria voz, de impotência e constrangimento.

Escutar o outro nestas condições é inverter a intimidação em intimidade. Pensemos no valentão da escola, o protótipo do futuro assediador de maiores. Notemos como sua arte consiste em isolar ainda mais aquele que já se sente isolado, em expor aos outros o fato de que ele é sozinho e, enquanto tal, vulnerável. Em contrapartida, os que pelo silêncio ou pela adesão direta perfilam-se ao lado do intimidador compram segurança por pertencer ao grupo. 

Aqui está também o antítodo da escuta acolhedora. Ela não deve buscar apenas piedade ou solidariedade que no fundo oporá grupo contra grupo, fracos contra fortes, perdedores contra vencedores. Acolher é potencializar a solidão como fonte e origem de toda resistência. Acolher é transformar a solidão em solitude, fazendo do desamparo e da vulnerabilidade algo que não deve ser temido nem envergonhado, mas reconhecido. É assim que surge a resiliência que não precisa nem de esperança nem de otimismo para agir. Basta escutar a força e a suficiência de ser cada um.

CHRISTIAN DUNKER

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