03
de março de 2014 | N° 17721
ARTIGOS
- Paulo Brossard
Financiamento secreto
Faz
alguns dias, depois de breve passagem por Davos, na Suíça, de dois dias em
Lisboa em razão de suposta parada técnica a ensejar excelente experiência
gastronômica, hospedagem no Ritz e jantar no Eleven, acompanhada de numerosa
comitiva, a senhora presidente voou até Cuba, onde recebeu as homenagens do
ditador Raúl Castro; lá, fez declarações um tanto estranhas para serem ditas
por uma chefe de Estado.
Como
é sabido, em meados de 2012, por intermédio do BNDES, o governo celebrou
contratos de financiamento com Angola e Cuba, chumbados com a nota de secretos
até 2027. Esta circunstância chamou a atenção, uma vez que nenhum dos restantes
contratos com Estados estrangeiros foi carimbado com o selo de secrecidade. Por
que secretos os pactos com Angola e Cuba e só eles?
Concluída
a metade das obras portuárias de Mariel, para as quais o Brasil entrou com a
soma de US$ 802 milhões por intermédio do BNDES, a senhora presidente ao
comparecer à inauguração desta etapa do porto, anunciou e prometeu a concessão
de mais US$ 290 milhões, para a conclusão da mencionada obra; é de notar-se que
esta soma adicional a ser concedida está na dependência do respectivo contrato.
A
revelação de mera promessa na forma escolhida destoa dos estilos protocolares e
dir-se-ia uma temeridade diplomática, que prefiro substituir dizendo que ela se
deveria à pressa juvenil da senhora presidente, cuja precipitação recebida com
aplausos cubanos teria arranhado as bicentenárias tradições da casa de Rio
Branco, celeiro de precedentes em que a prudência, a medida, a oportunidade, o
equilíbrio e o decoro do país eram cultivados religiosamente.
Na
ilha do Caribe, a ocorrência tem sido festejada como acontecimento histórico,
mas são muitos os brasileiros incomodados com o ostensivo financiamento da
construção de obras estrangeiras, quando os nossos portos, inclusive o maior
deles, o de Santos, carecem de complementos necessários e fundamentais.
Parece
que a senhora presidente se esqueceu do que a Constituição, ao enunciar os
Princípios Fundamentais da Nação, prescreve “a República Federativa do Brasil
rege-se nas suas relações internacionais: II. prevalência dos direitos humanos”.
Ora, só por irrisão alguém poderia arrolar a ilha presídio entre as nações fiéis
aos valores universais, contidos na expressão prevalência dos direitos humanos.
Daí por que, salvo erro, entendo que a maioria dos brasileiros sentir-se-ia
melhor governado se visse os recursos de seus pesados tributos aplicados para o
Brasil e os brasileiros, inclusive em seus portos carentes, lembrados antes de
contempladas obras estrangeiras. Não se discute se estas têm importância, mas
se trata de saber se os brasileiros têm ou não preferência sobre os recursos
nacionais, recursos esses que representam 30% de tudo quanto o Brasil produz.
A cláusula
constitucional invocada é novidade da Constituição de 88 e deve ser observada e
construída com vistas à sua finalidade e dela não esquecer a ponto de chegar a
ser esquecida.
A
propósito, não seria o caso de indagar ao Ministério Público Federal,
aquinhoado de tantos poderes, o ajuizamento de ação civil pública tendente a
revelar à nação os documentos que instruíram a marca de secretos, os negócios celebrados
com Angola e Cuba?
Trata-se
de saber se os brasileiros têm ou não preferência sobre os recursos nacionais
*Jurista,
ministro aposentado do STF