07
de março de 2014 | N° 17725
DAVID
COIMBRA
O monstro de
Goiânia
Vou
ter que escrever sobre o caso daquela modelo de Goiânia, vou ter que escrever.
Vi as cenas pela TV, dias atrás, e não consigo esquecê-las. Ela tem 27 anos de
idade, é loira e bonita. Chegava em casa com a mãe e o filho de um ou dois
anos, quando foi rendida por três assaltantes. Eles fizeram com que as duas mulheres
entrassem na sala e deitassem de bruços no chão. Depois, um deles buscou o
nenê, que havia ficado no carro, e colocou-o sobre as costas da mãe. O menino
começou a brincar de cavalinho. A mãe continuou deitada. Então, o homem
simplesmente apontou a arma para a cabeça da mulher e atirou.
Ele
deu um tiro na cabeça da mãe enquanto o filhinho dela brincava montado em suas
costas.
Ele
fez isso, esse ser humano.
Ele
não atirou para roubar, não atirou para deter a vítima, não atirou por raiva,
não atirou porque houve reação, não atirou por vingança. Atirou por crueldade.
Por
crueldade.
Acredito
que as pessoas nasçam com diferentes propensões à crueldade. Acredito. Não, as
pessoas não nascem iguais, não são uma folha em branco que será escrita pelo
ambiente em que vivem. Mas as características com que elas nascem serão, sim,
influenciadas pelo ambiente em que vivem. Ninguém nasce dotado do nível de
crueldade desse rapaz que atirou na cabeça da modelo de Goiânia. É demais. Ele
não nasceu um monstro, ele se tornou um monstro. O que fez dele o que ele é?
Não é só a sensação de impunidade, não é só a falta de estrutura familiar. É
uma reunião de fatores e razões.
Como
analisar esse episódio sem ser rasteiro? Como o analisariam a esquerda e a
direita brasileiras? Há quem diga que, na política atual, não existem mais
direita e esquerda. Talvez em outros lugares. No Brasil, é óbvio que existem. A
direita e a esquerda, no Brasil, ainda se dilaceram na Guerra Fria. E, na falta
da União Soviética, a disputa é Cuba versus Estados Unidos.
Cuba
versus Estados Unidos. Meu Deus.
Mas
é na segurança, justamente na área em que são cometidas crueldades como essa de
Goiânia, é na segurança que a esquerda e a direita brasileiras mais se
distanciam e mais ficam marcadas. Para a esquerda, o monstro de Goiânia não é
um monstro, é uma vítima da sociedade desigual; para a direita, o monstro de
Goiânia não é um ser humano que se transformou em monstro, ele nasceu monstro
e, por ser monstro, deve ser eliminado.
A
segurança da direita é a segurança que resulta no caso Amarildo, sequestrado e
morto por policiais; a segurança da esquerda é a segurança que resulta no caso
do cinegrafista da Band, assassinado durante uma manifestação de rua. Para a
esquerda, o pobre é uma vítima; para a direita, o pobre é culpado por sua
pobreza. E assim o Brasil vai dançando, para lá e para cá, até produzir pessoas
como o rapaz de Goiânia. Eis a verdade: foi o Brasil que fez aquele monstro,
foi nas entranhas do Brasil que ele foi gerado. O que houve? O que está errado
conosco? Como pudemos chegar a esse ponto? Triste Brasil. Triste povo
brasileiro.