20
de março de 2014 | N° 17738
L.
V. VERISSIMO
Superstar
Tem
havido protestos de grupos religiosos contra a reencenação de Jesus Cristo
Superstar, em São Paulo. Pensei que essa guerra já tivesse terminado, na
ingênua suposição de que até as mentes mais obscuras, com o tempo, se iluminam
– ou pelo menos se dão conta do seu ridículo.
A
ópera-rock do Andrew Lloyd Webber e do Tim Rice já tem quase 50 anos. Deu um
belo filme de Norman Jewison, e é um relato emocionante dos últimos dias de
Jesus Cristo que deve ter motivado mais jovens a se interessar pela sua
história do que qualquer catecismo da Igreja. Quem se horroriza com a versão roqueira
de Cristo ignora a tradição da arte renascentista de atualizar as cenas da
Paixão, representando-as com roupas e interiores da época dos artistas, sem que
isto fosse considerado blasfêmia e provocasse protestos.
Há
alguns anos a Igreja conseguiu que fosse proibida a exibição no Brasil do filme
Je Vous Salue, Marie, do Jean-Luc Godard. Motivo: uma versão moderna da Virgem
Maria aparecia com os seios nus. Ignorada pelos ignorantes, no caso, foi outra
tradição da arte religiosa, a das Virgens lactantes, que aparecem em várias
pinturas com os seios à mostra amamentando o menino Jesus.
No
seu filme, Godard humanizava a figura de Maria e trazia para atualidade, e para
uma reflexão intelectual adulta, o mistério de dogmas como o da Anunciação e o
da Concepção Imaculada. De novo, uma expressão da experiência religiosa muito
mais consequente e inspiradora do que a retrógrada instrução das igrejas.
INJUSTIÇA
Andrew
Lloyd Webber e seu colaborador Tim Rice são figuras curiosas. As letras de Rice
são consideradas melhores do que as músicas de Lloyd Webber, mas são as
melodias deste que colam na memória. Os dois revolucionaram o teatro musical
com espetáculos como Jesus Cristo Superstar e O Fantasma da Ópera mas não eram
muito considerados no meio. Era até prova de mau gosto musical revelar uma
admiração por Lloyd Webber, e quanto mais sucesso ele fazia, mais crescia a
resistência.
Desde
que acabou a parceria com Rice, Lloyd Webber anda meio por baixo. Seu último
musical foi um fracasso, em Londres. Mas acho injusta a crítica que lhe fazem,
de pouca sofisticação, em contraste, por exemplo, com um Stephen Sondheim. Ele
fez pelo menos dois musicais extraordinários, o acima citado Superstar e Evita,
que é teatro político quase ao nível de um Brecht. E o que Alan Parker fez da
peça no cinema, com a Madonna no papel de uma convincente Evita, está na minha
lista dos filmes mais subapreciados da História.