sábado, 9 de junho de 2018



09 DE JUNHO DE 2018
J.J. CAMARGO

COMPAIXÃO NÃO TEM CHIP

Vivemos tempos complicados em pedagogia, pois as práticas tradicionais de ensino se tornaram tão rapidamente obsoletas que um número significativo de alunos considera, com justiça, que muitos conteúdos, tímidos se comparados com a internet, funcionam mesmo é como soníferos.

Muitos professores lamentam a crescente falta de interesse dos alunos e insistem em formas de ensino ultrapassadas, do tempo em que o conhecimento era entregue de bandeja, ignorando que se a informação não for energizada pela busca do entendimento, ela será varrida da memória com uma velocidade deprimente, mesmo que o cérebro receptor seja brilhante e a aula tenha sido preparada com dedicação.

A insistência com os métodos arcaicos abriu caminho para o ensino a distância, porque, afinal, se a escola se omite de ensinar o aluno a pensar e joga informações a esmo, o computador pode fazer o mesmo com menor custo e desgaste.

As escolas médicas, porque trabalham com conteúdos técnicos (que estão nos livros com uma abundância que o professor não consegue competir), precisam acordar para uma realidade: o estudante formado assim, com preocupação exclusiva em diagnóstico e tratamento, mas desprovido de qualificação humanística, será mais adiante um joguete desqualificado no mercado competitivo da medicina moderna.

E é exatamente aí que a doutrina presencial do professor deve fazer a diferença, ao transmitir vivências e lições que nenhum editor conseguiria incluir no texto técnico.

Naquela tarde, a aula era sobre tumores da traqueia, quando percebi que esse assunto, que me encanta, é de uma aridez insuportável para quem não é, nem nunca será, especialista para se interessar por uma neoplasia que é menos de 1% dos tumores do aparelho respiratório.

Então, tive uma ideia: ao apresentar o caso seguinte, disse que paciente tinha sido operado pelo... pelo... Robson, um aluno sonolento da primeira fila, que acordou imediatamente, e era pai do... do... William, que cochilava na outra ponta e acordou com a notícia.

Com todos despertados pelo improviso insólito, pedi que o Robson contasse ao William que o pai dele tinha morrido na cirurgia. A primeira atitude dos dois demonstrou que ambos tinham entrado na história: puseram-se em pé, porque coisas importantes não podem ser anunciadas sem a solenidade de uma postura respeitosa. No final, depois do sofrimento inútil de tentar encontrar um jeito doce de dar a notícia mais amarga, se abraçaram. E, neste momento, não era possível distinguir quem era o "doutor". Eles tinham sido nivelados pelo sofrimento da perda e estavam despertando para o significado de ser médico.

Como se pode presumir, a comunicação da morte, por tudo o que encerra de expectativa e sepulta de esperanças, é uma das tarefas mais difíceis que o médico, vencido na sua pretensão máxima de preservar a vida, deve enfrentar com a noção clara que a sua atitude será arquivada no sentimento daquela família como um modelo de compaixão ou de crueldade.

Vale lembrar que, muitas vezes, todas as palavras podem ser substituídas pela solidariedade de um abraço. E isto, que não cabe num programa de computador, precisa ser ensinado por quem já chorou e abraçou muitas vezes. E sofreu em todas elas, como se cada uma fosse a primeira.

jjcamargo.vida@gmail.com