16 DE JUNHO DE 2018
CARPINEJAR
A invencível camiseta colorada
Sou capaz de me desfazer de qualquer roupa, qualquer peça. Não serei materialista com calças, camisas, ternos. Estragou, rasgou, gastou, dispenso sem piedade nem compaixão.
Só não consigo jogar fora a camiseta de futebol, a camiseta de meu time. Nenhum homem é frio e indiferente o suficiente.
Ainda mais quando é o manto da sorte, das batalhas e guerras emocionais no estádio. Tenho uma camiseta colorada da minha adolescência, de lã, quente. É a minha preferida nos dias de jogo.
A asa já não se desgruda com a lavagem, mesmo que despeje um litrão de amaciante em cima. Desodorante não faz mais cócegas. É um acúmulo de décadas de suor frio. Eu a coloco e sinto o cheiro de CC vencido da época de Escurinho e Falcão. Bloqueio instintivamente as narinas.
Já recebeu cerveja e mijo nas arquibancadas, os fios foram puxados nas axilas, a gola branca é mostarda, os meus filhos, quando eram pequenos, regurgitaram em seus ombros, mas não há como descartá-la.
Nenhuma sujeira, mancha, furo me convence de seu fim. Ela é baby-look em mim, engordei com o tempo, o umbigo está à mostra, sou um Hulk prestes a explodir a cada gol, porém não há terapia e templo budista que me leve ao desapego.
Livrar-se dela contraria a minha superstição, a crença absurda de que interfiro no destino de meu time. Compreendo a desolação de minha esposa, que me deu de presente a nova camiseta do Inter, mas é inútil explicar o que sinto para ela.
Jurava que tinha superado a minha birra, destruído os trapos mendigos e que eu abandonaria o fetiche malcheiroso. Quando me viu saindo de casa para o Beira-Rio, uniformizado com a indumentária antiga, gritou pela janela do nosso edifício:
- Vou começar a torcer contra! Virei o rosto, a sua secação não me atingiria, estava protegido pela imorredoura simpatia.
CARPINEJAR