terça-feira, 12 de junho de 2018


12 DE JUNHO DE 2018
DIANA CORSO


A culpa é sempre da mãe


Não há perdão nem trégua para as mães. Não surpreende que a relação mãe-filho, tão doce, tenha rendido livros e filmes de terror. Fora o setor dos filhos monstruosos, surge uma subdivisão do tema: as desgraças que ameaçam as crianças supostamente descuidadas. Deixar os pequenos nas mãos de babás, por mães preocupadas com a carreira, tende a um mau desfecho. É assim que começa o premiado livro Canção de Ninar, da escritora franco-marroquina Leila Slimani, próxima conferencista do Fronteiras do Pensamento.

As primeiras linhas descrevem o crime: a cuidadora assassinou duas crianças. Este seria o castigo destinado às mulheres que desfocam suas crias e, pior, elas sequer se apoiam entre si. Poucos territórios são tão áridos à sororidade quanto a maternidade.

Myriam, a personagem, é uma advogada promissora. Engravidou e envolveu-se com gosto no casulo familiar, logo teve um casal de filhos. Mas acabou sucumbindo àquela depressão puerperal suave, mas infalível, que assombra as mães em algum momento de sua entrega aos bebês. Sentia-se sufocada, envergonhada pela insignificância de sua vida. As amigas que encontra queixam-se de "não poder dar-se ao luxo de estar com os filhos que ela tem", com uma condescendência cruel na voz.

Ela se isola, decai fisicamente, furta pequenos objetos em busca de aventura. Porém, surge uma proposta de emprego. O salário empata com o custeio da babá, mas ela anseia voltar ao trabalho. Entra em cena Louise, tão perfeita, que a chamavam de Mary Poppins.

O relato de Slimani é meticuloso quanto ao caráter tedioso, enlouquecedor, da vida doméstica, tanto da mãe quanto da babá. Myriam, francesa de classe média, podia almejar novos horizontes. Já Louise pertence a uma Paris de segunda categoria. Nos parquinhos, encontra uma legião de estrangeiras, clandestinas, que cuidam das crianças das mulheres europeias que trabalham. Visto assim, parece um mero inventário de injustiças. Mas, lendo, acabamos entendendo por que até Poppins, feiticeira livre que era, logo foi mudar de ares.

Reduzidas ao convívio com as crianças, aos seus corpinhos frágeis, aos seus temores inconsoláveis e brincadeiras pueris, as mulheres vão fenecendo, tornando-se invisíveis. Porém, isso não significa que estejamos prontas para sair, o coração aperta só em imaginar a distância. Temos inveja, temor e uma certa raiva de quem nos substituir. O livro é genial em narrar as sufocações do confinamento, assim como a relação ambivalente com quem nos liberta mas nos faz sentir obsoletas. Há um sentimento de posse entre mães e filhos, uma força de mão dupla que tende a rejeitar intrusos. Acabamos assim fazendo eco aos que criticam o afastamento da "rainha do lar". Eis a fonte de tanto terror.

*Até o dia 16 de julho, David Coimbra escreve no Jornal da Copa, encartado nesta edição.

DIANA CORSO