02
de março de 2014 | N° 17720
PAULO
SANT’ANA
Fazer carreira
Quando
eu tinha em torno de 11 anos de idade,vivia quase todo o tempo do dia,fora o
horário do colégio,a percorrer a selva em torno da encosta do Morro da Polícia,um
pouco além de onde fica hoje o Presídio Central.
Era
sempre perigosa nossa incursão: havia ali as duas linhas de tiro, a do Exército
e a da Brigada Militar.
Perigosa
porque nós audaciosamente corríamos pela selva, onde iam se derrubar os chumbos
das balas usadas pelos soldados para se exercitarem.
Alimentávamo-nos
de frutas silvestres. Parece mentira que isso acontecesse aqui na Capital
naquele tempo: butiás, amoras, araçás, goiabas, romãs etc. Estão a ver, meus
leitores, que era como se estivéssemos no Paraíso. O nosso era o único em que não
havia a maçã que tentou e desgraçou Adão e Eva.
Pois
bem, vivíamos de quê? Ao catarmos os pedaços de chumbo dos projéteis, os juntávamos
e vendíamos os chumbinhos para o ferro-velho.
E
outra forma de arrecadarmos recursos para nossas folganças era irmos até o cume
do Morro da Polícia, onde adiante havia campos, e trazermos, com a ajuda de
pequenos carros de rolimã ou de pneus, os extraviados ossos dos bois que
restavam da alimentação dos corvos.
Também
vendíamos os ossos, por quilo, para os ferros-velhos.
Pensando
bem agora sobre esses fatos,vejo que foi como adquiri noção tanto de economia
quanto de sustento pessoal: era preciso muitos ossos e muito chumbinho para
sobrevivermos durante a semana,incluindo o preço das matinês de domingo nos
cinemas Brasil e Miramar.
Outra
forma astuciosa que arranjei para ganhar dinheiro foi comprar nos domingos 30
exemplares de Correio do Povo na banca do fim da linha do bonde Partenon e levá-los
para serem revendidos lá na encosta do morro, onde não havia bancas de jornais.
Lembro-me
de que eu adquiria cada jornal por 50 centavos de cruzeiro (a moeda da época) e
os vendia por um cruzeiro, 100% de lucro, fenomenal.
Fiz
um monte de dinheiro com isso, trabalhando só aos domingos, porque o Correio do
Povo dos domingos era uma solenidade para seus leitores.
Mais
tarde, vendia pastéis feitos pela minha madrasta, Zilda Sant’Ana, em torno dos
quartéis da Brigada Militar.
E,
mais tarde ainda, fui contínuo de diversas firmas, ganhando o que naquele tempo
existia: salário mínimo de menor. O salário mínimo de adulto era de 1.800
cruzeiros, o salário mínimo de menor era de 900 cruzeiros.
Nos
anos seguintes, fiz concursos e passei num deles, o de inspetor de Polícia,
quando então comecei encaminhar a minha vida.
Uns 20
anos depois, com curso de Direito concluído, é que passei no concurso público
de delegado de polícia. Fui o primeiro colocado entre 700 bacharéis e isso me
enche de orgulho até hoje.
Depois,
vim a ser jornalista, que considero o ápice de minha carreira.
Assim
se constitui a vida de um brasileiro, com luta, com sacrifício mas também com
muito romantismo.
É a
vida!