06 DE FEVEREIRO DE 2018
EUROPA
Paixão que vem de família
EM BUSCA DE SUAS ORIGENS NA ESPANHA, repórter tenta entender o porquê da fascinação da mãe pela terra natal
Ao longo da costa espanhola recortada que dá para o Mediterrâneo, de Barcelona rumo ao sul, até Málaga, passando pelas colinas áridas, branquíssimas, e olivais luxuriantes, os jardins frondosos de Andaluzia e a grandeza do Alhambra, percorri a terra natal de meus ancestrais pela primeira vez.
Cheguei à Espanha depois de já ter vivido boa parte da minha vida, embora já a conhecesse - terra de sangue e areia, do flamenco, do teatro e da poesia - desde a infância, em Porto Rico. Madri evocava maravilhas e sonhos em nós, e minha mãe ansiava por ver os gerânios vermelhos de Sevilha e ouvir os lamentos de Granada, recitando os versos de García Lorca: "Verde, que te quiero verde. Verde viento. Verde ramas".
Aliás, ela, cujos ancestrais saíram da Catalunha e de Madri no final do século 18/início do século 19, não foi a única fonte dos meus sonhos espanhóis; poucos lugares foram romantizados tão apaixonadamente quanto a cidade de Barcelona, capital de 1,5 mil anos de idade da região autônoma da Catalunha. O poeta Joan Maragall a chamou de "la gran encisera", a grande feiticeira. Arrasada pela guerra civil espanhola, de 1936-39, e imortalizada no clássico de George Orwell Homenagem à Catalunha, Barcelona abriga museus e arquitetura prestigiados, além de ter acolhido artistas como Joan Miró, Antoni Gaudí, Salvador Dalí e o jovem Pablo Picasso.
É para lá, então, que decidi ir. Passei por Las Ramblas no verão passado, em meio a hordas de turistas - cujos números crescem rápido e já superam os 18 milhões anuais - que invadem a metrópole catalã de 5,5 milhões de habitantes. Las Ramblas é ladeada por ruas estreitas. Sua extensão, tomada por cafés, galerias e estandes de suvenires, vive lotada noite e dia, como um local de encontro permanente para moradores e estrangeiros.
O bulevar, que segue o fluxo como uma corrente que acaba por ser desviada, abrigou conventos e monastérios antes que as revoltas anticlericais de 1835 destruíssem muitos deles. O passeio, cujo nome vem da palavra árabe "ramla", foi reconstruído em fins do século 19 e abriga vários locais históricos - como o Teatre Poliorama, onde Orwell passou três dias escondido durante a guerra civil, e o Mercat de la Boqueria, onde os balcões de frutos do mar, presunto e linguiça atraem centenas de famintos. Também há músicos, mochileiros, camelôs e mímicos.
RECONSTRUÇÃO DEPOIS DA GUERRA
A noite estava pesada por causa do calor humano e da umidade, que lembrava muito o Caribe, mas eu segui adiante, rumo ao mar.
Por fim, cheguei ao Mirador de Colom, monumento austero de 1888 a Colombo, voltado para o Mediterrâneo; navios mercantes, transatlânticos, iates, barcos à vela e pesqueiros lotavam as marinas. Caminhando devagar pelo calçadão de mais de quatro quilômetros de extensão, admirei os pôsteres das galerias e as esculturas para, em seguida, dirigir-me às peixarias instaladas a céu aberto, na prainha de cascalho, às vistas das vigas de aço cruzadas e o vidro azul dos 44 andares do Hotel Ars Barcelona, que se erguia sobre a Barceloneta.
Agora, finalmente, encaro o Mediterrâneo, que me traz à mente imagens da viagem que meus ancestrais fizeram rumo às Américas.
Emoldurada pelas colinas e pelo mar, Barcelona era separada das ondas pelas antigas fábricas de tecidos e pelo porto industrial, mas depois da morte de Francisco Franco, em 1975, o nascimento da democracia constitucional na Espanha estimulou artistas, engenheiros e arquitetos não só dali, mas do resto do país a reerguer a cidade, restaurando as ruas centenárias, além de hotéis, discotecas, bares e mesmo a comida em tempo para a Olimpíada de 1992. Desde então, Barcelona reina como destino turístico irresistível.
Por ano, mais de 2,8 milhões de pessoas visitam a Sagrada Família, a catedral inacabada de Gaudí e um dos monumentos mais populares de toda a Espanha. Na tarde tórrida em que a visitei, tive a impressão de que os quase 3 milhões de pessoas estavam ali comigo, tamanha a multidão, incontrolável a ponto de afetar minha concentração.
Andando a esmo de um lado para o outro, saí do templo para procurar um guia, até finalmente encontrar o grupo certo. A passos lentos e curtos, subimos os degraus da entrada, mas fomos impedidos de prosseguir por outras turmas. A voz do nosso guia, que usava a jaqueta vermelha identificadora dos funcionários, mal podia ser ouvida acima da cacofonia de vozes e movimento. Eu não conseguia assimilar a imensidão da igreja, seu projeto iconoclasta, as inscrições nas paredes e nas portas de madeira, as torres que se assemelhavam a velas derretidas, a complexidade das curvas e as estátuas de formas e rostos estranhos.
LUISITA LOPEZ TORREGROSA