segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018


12 DE FEVEREIRO DE 2018
L.F. VERISSIMO

À beira

Sempre se pensou que a população de Pompeia tivesse sido surpreendida pela chuva de cinzas do Vesúvio, e que a maioria morrera dormindo. Hoje se sabe que o Vesúvio entrou em erupção dias antes, tremores de terra e explosões anunciaram a catástrofe que viria e a população já abandonara a cidade condenada quando as cinzas a encobriram, para ser desencavada anos depois. O que deixa sem explicação o mais impressionante em Pompeia, que são as estátuas dos mortos.

Encheram de gesso os buracos deixados na cinza solidificada pelos cadáveres decompostos e cada espaço moldou um corpo branco, na posição em que estava na hora da sua morte. Mas, se a maioria da população já tinha fugido das cinzas, isso significa que as tétricas estátuas brancas são de mortos excepcionais. De céticos que duvidaram da catástrofe anunciada, curiosos que queriam ver como seria, aventureiros e megalomaníacos dispostos a desafiar a natureza, suicidas, bêbados ou simplesmente distraídos. Enfim, são estátuas dos que ficaram.

Durante anos, todos os estudos e todas as teorias sobre Pompeia presumiram que os fantasmas conservados em gesso eram exemplos de habitantes comuns da cidade e do seu fim em comum, quando eram dos seus excêntricos. A amostragem, que incluía dos habitantes mais cultos aos mais burros, não representava a imensa gama que existia entre os dois extremos.

As novas revelações sobre o que realmente aconteceu em Pompeia naquele ano de 79 d.C. acabaram com mitos românticos, como o da suposta descoberta, sob as cinzas, de um casal abraçado, surpreendido pelas emanações do Vesúvio no ato do amor. Especulou-se muito sobre o que o casal estaria fazendo no fim, mas de uma coisa se pode ter certeza: o orgasmo, sob as cinzas ainda mornas do vulcão, deve ter sido maravilhoso.

O que tudo isso tem a ver com o nosso aqui e agora? Deve haver uma metáfora aí, em algum lugar. Talvez a lição seja que devemos todos nos comportar como se vivêssemos à beira de um vulcão em eterna combustão, obrigados a escolher entre fugir e ficar, para as cinzas esculpirem nosso último momento - e cuidar para que nossa estátua branca não seja a de alguém que simplesmente não entendeu a hora - ou um calhorda.

L.F. VERISSIMO