sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018


09 DE FEVEREIRO DE 2018
DAVID COIMBRA

O combate de Dona Eva Sopher

Dona Eva Sopher, durante toda a sua longa vida, combateu o bom combate.


Talvez pareça estranho usar esse termo bélico, "combate", porque quem combate luta e quem luta o faz para derrotar alguém. Dona Eva nunca quis derrotar ninguém. Dona Eva queria que todos vencessem.

Ainda assim, a sentença se aplica, porque tanto Dona Eva quanto o homem que formulou a frase lutavam, sim, mas não contra. Lutavam a favor.

"Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé", disse Paulo de Tarso, há 20 séculos, antes de ter a cabeça separada do corpo pela espada do carrasco. E era verdade. Paulo de Tarso foi a pedra sobre a qual foi erguida a Igreja Romana. Admirar-se dele não é se admirar da religião, é admirar-se de sua obra, e a obra de Paulo de Tarso foi imensa. Foi do tamanho do Ocidente.

Tanto ele quanto ela, Paulo e Eva, passaram a vida construindo, por isso o adjetivo incrustado na sentença está correto: o combate foi essencialmente "bom". A ação de Dona Eva sempre foi positiva, sempre foi para fazer, nunca para desfazer. É uma lição extraordinária, em um Estado de muita crítica e pouca colaboração, de muito desdém e pouco reconhecimento.

Dona Eva se punha acima dos ranços que há anos paralisam a sociedade gaúcha. Ela era do time de homens e mulheres que fizeram a Feira do Livro de Porto Alegre, a Jornada Literária de Passo Fundo, o Museu Iberê, o Instituto Ling, a Arena do Grêmio, o Beira-Rio, o Porto Verão Alegre. Dona Eva era da turma que rasga avenidas e planta árvores, que produz riqueza e gera empregos, que cura e acalenta, que vê o lado positivo da vida.

Uma vez, Dona Eva me guiou em um passeio pelo Theatro São Pedro. Mostrava, com infinito carinho, cada canto do prédio histórico que ela ajudou a salvar da demolição. Enquanto caminhava, ia contando sua história. O que ela e seu marido tiveram de fazer para que o teatro não fosse posto abaixo, o que passaram, o que sentiram, o que enfrentaram. Uma história rica, cheia de percalços.

E em nenhum momento, nenhum só, ela demonstrou ressentimento com quem quer que fosse. Houve dor e suor em tudo o que ela fez, mas dali não se destilou uma única gota de amargura. Saí daquele encontro encantado. Lá estava uma pessoa que canalizava suas energias para tornar as coisas possíveis. Que mobilizava os outros para construir. Sempre para construir. Sempre para frente e para o alto. Como isso é raro. E como isso é bom. Por isso, ao acabar a carreira, pode-se dizer, de Dona Eva, que ela guardou sua fé. Que ela combateu o bom combate.

DAVID COIMBRA