24 DE FEVEREIRO DE 2018
JJ CAMARGO
ESPERANDO O MAR CANSAR
Numa extensão de uns cem metros, o mar descarregou na praia uma enxurrada de algas escuras, decompostas e malcheirosas. A areia emporcalhada era varrida com persistência por um grupo de garis, todos idosos, que iam ensacando os dejetos em bolsas de plástico preto, que eram empilhadas à espera de que o caminhão da coleta as recolhesse mais tarde.
Ondas pequenas, mas carregadas de lixo marinho, prenunciavam que a operação iria continuar por muitos dias. Mas isso não parecia criar nenhum desconforto na equipe de limpeza, que seguia com seu trabalho obstinado, silencioso e inútil. Compadecido, me acerquei do mais velho deles e perguntei: "O senhor não desanima de ficar varrendo essa sujeira, se as ondas não param de trazer mais porcarias?". O velhinho me olhou com cara de alívio pela pausa justificada e disse: "Eu nunca penso nisso porque sei que, um dia, o mar vai cansar!". Resisti a vontade de abraçá-lo e retomei a caminhada. Tinha de digerir essa lição de filosofia do cotidiano. E não fora uma simples aula de conformismo: havia ali muito de sabedoria.
No caminho de volta, cutucado pela obviedade, me dei conta de que nós, conscientes ou não, gastamos um tempo enorme do nosso dia varrendo sujeira, real ou metafórica, trazida pelas circunstâncias, à revelia do nosso desejo, para atravancar nossa esperança e deturpar nossos sonhos. Há muitos anos, convencido de que quem se desinteressa pelo passado não se habilita a construir o futuro, fui me envolvendo progressivamente com história do Brasil e, então, percebi, constrangido, que de tanto ver o presente repetindo o passado, é utópico acreditar no país do futuro sem questionar: "Que futuro, se ele parece cada vez menos com um país?".
O mar de lama tem transportado para a praia do nosso ânimo essa enxurrada de corrupção e pobreza de espírito responsável pela debandada das melhores cabeças de uma juventude que precisou de menos tempo do que a nossa geração para descrer. A menos de um ano de uma eleição decisiva para o que resta da dignidade nacional, choca a pobreza das opções e constrange a discussão, dolorosamente realista, de qual candidato é menos ruim. Muitas vezes, tenho invejado a convicção daquele velhinho, porque os anos vão passando, e eu cada vez acredito menos que, um dia, esse mar de desilusão vá cansar.
jjcamargo.vida@gmail.com - JJ CAMARGO