21 DE FEVEREIRO DE 2018
MÁRIO CORSO
Vítimas do fumo
O Rio Grande do Sul tem os piores índices de suicídio do Brasil. A região fumicultora encabeça a lista das preocupações.
As duras condições de vida desses agricultores, dificuldades econômicas, somadas às intoxicações, tanto do tabaco em si como dos agrotóxicos usados no cultivo, são citadas como prováveis causas dessa maior incidência. O suicídio é um ato complexo, difícil imaginá-lo sendo induzido por uma substância. A hipótese é que, assim como existem antidepressivos, pode haver depressivos, substâncias que derrubam o ânimo. Os agentes químicos envolvidos minariam a saúde mental dos trabalhadores até um ponto crítico que, somado a outras dificuldades, culminaria no ato. Os estudos não são conclusivos, temos os ingredientes, mas não sabemos a ordem causal.
Acho estranho não falarmos de algo óbvio e mais tangível nesse caso: hoje, plantar fumo é deprimente. Os agricultores têm orgulho dos seus produtos. Eles podem não ganhar bem, mas plantam comida, produzem algo nobre que está inserido na cadeia da vida e da saúde. O avô do nosso fumicultor plantava com orgulho, o seu pai tinha dúvidas, mas o neto sabe que planta veneno. Usam terras nobres, mais adubo e um trabalho árduo e perigoso, para contribuir com um vício responsável por um sem-número de doenças. O antigo glamour do cigarro deu lugar a uma condenação sem atenuantes.
Os produtores de fumo não são os únicos trabalhadores rurais empobrecidos que usam agrotóxicos, aliás, o coquetel de agrotóxicos do fumo não é muito diferente do de quem trabalha com horticultura. O campo está perdendo a batalha econômica, eles produzem cada vez mais, mas gastam acima disso para tirar um lucro cada vez menor. Se as condições econômicas mais agrotóxico pesassem tanto, o Brasil todo teria um quadro de suicídio endêmico.
Não é fácil produzir fumo. Além da colheita, a preparação e a secagem pedem cuidados especiais. Essas exigências fazem do fumicultor um trabalhador diferenciado. Ele trabalha duríssimo, produz um dos melhores fumos do planeta, mas não ganha um retorno social pela sua empreitada. Essa defasagem entre bom produto que faz, estar preso em uma engrenagem na qual tem pouca manobra e produzir um produto socialmente condenado é o que lhe corrói a autoestima. Como fazer para devolver o orgulho a quem trabalha nessa indústria é que são elas.
O assunto é complexo, coloquei a minha colher torta porque percebo que a bem-vinda condenação do hábito de fumar não é levada em consideração quando pensamos em como ajudar esses agricultores. Nos fixamos em causas químicas e esquecemos que o trabalho é mais do que um ganha-pão, ele diz quem somos e o que valemos. É impossível que esse ingrediente moral não esteja listado entre as causas da tragédia.
*O colunista David Coimbra está em férias. Amanhã, Rosane Tremea escreve neste espaço.
MÁRIO CORSO