07
de março de 2014 | N° 17725
ARTIGOS
- Diana Corso*
Nus e
pelados
Lembro
do dia em que descobri o que era a nudez. Era Carnaval e não havia baile
infantil de clube ou de rua naquela cidade uruguaia, a folia era simples e sem
graça: circular pelas ruas mais povoadas do balneário, esperando e temendo ser
atingida por uma bombinha dágua ou um jato. Era isso o que os garotos faziam, e
eram eles que me interessavam. Com sorte, o banho seria de confetes ou
serpentinas, mas eu não conseguia decidir se isso era um mérito em relação a
ser atingida pela água, mais incômoda, ou um descaso.
Não
sei que idade tinha, mas acho que não havia atingido os dois dígitos. Minha
fantasia era composta de um sarongue e um colar daqueles de flores de plástico,
usados sobre a parte de baixo do biquíni. A parte de cima, naqueles tempos mais
ingênuos, sequer era usada na praia. Sarongue, colar e flores para a cabeça,
saí toda primaveril para a rua, disposta a brincar de temer ser molhada.
Foi
quando notei a presença dos meus seios. Não me refiro aos reais, que nem
sugeridos estavam naquela ocasião, mas, sim, àqueles que um dia apareceriam.
Foi naquele dia em que pela primeira vez me senti nua. O fim da infância
chegou, sem anunciar-se, em pleno Carnaval.
Meia
quadra depois, corri para casa de volta, completei a fantasia com o resto do
biquíni, mas já era tarde: mesmo oculto, meu corpo de criança já tinha o que
mostrar. A nudez é um sentimento que pode atingir a pessoa mesmo quando não há
nada para ser visto, assim como pode estar ausente quando tudo está explícito.
O que me expôs a um olhar cuja existência eu ignorava até aquele Carnaval foi o
desejo que senti de ser alvo das brincadeiras dos meninos.
O
Carnaval está aí para que a sensualidade possa se exibida, enfeitada,
fantasiada, desnudada ou travestida, numa festa civilizada. A exposição dos
corpos de passistas e destaques carnavalescos é, no fim das contas, tão educada
quanto uma praia de nudismo, onde se pode andar sem roupas sem ser incomodado.
Já o
desejo que a nudez revela é diferente do direito de andar pelado e rebolar em
público, ele se alimenta daquilo que quando visto produz algum efeito, algum
rubor, algum frisson nos envolvidos. Pode e costuma ser controlado, mas move
montanhas. No começo da vida de todos há esse divisor de águas: aquele momento
do surgimento da nudez, no qual o corpo se torna desejável. A partir daí, a
intimidade é necessária e a porta do banheiro se fecha para os olhos da
família.
O
momento carnavalesco dessa história de infância foi dado pela oportunidade de
parecer uma havaiana. A diversão estava garantida se tivesse continuado o
passeio sem ficar envergonhada, mas fui atropelada por um desejo que ainda
desconhecia e toda nudez tem algo a ver com ele: a ideia de que o que pode ser
visto denunciará as mais recônditas fantasias do portador. Essas fantasias não
desfilam, elas costumam sair na calada do sexo, na intimidade dos casais. Os
pelados da avenida são lindos, exuberantes, vistosos e sejam bem-vindos. Mas
nudez, meus amigos, essa é outra coisa e, por sorte, não ocorre somente no
Carnaval.
*PSICANALISTA