terça-feira, 21 de janeiro de 2025


O que mudou?

Você brigava com seu irmão quando pequeno tanto quanto hoje.

Talvez até mais: querendo o seu brinquedo, tirando a sua atenção, implicando com os seus amores platônicos, zombando de seu estudo, ligando a luz quando ele desejava descansar, puxando as suas cobertas no inverno, roubando os seus casacos, indo para cima quando ele se encontrava distraído.

O que mudou é que, na infância, você pedia desculpas com mais facilidade. Você era obrigado a fazer as pazes antes de anoitecer. Não permanecia um dia de mal.

Mas, excetuando relações tóxicas ou abusivas, de modo nenhum o irmão ficou mais chato, mais egoísta, mais individualista, mais irritante com o decorrer dos anos. Continua sendo o irmão de sempre.

Você é que não tem mais a paciência de antes. Virou adulto. E os adultos carecem de tolerância. E os adultos são mais orgulhosos e teimosos. E os adultos se desgastam com o emprego, as responsabilidades e as contas a pagar. E os adultos são mais vingativos. E os adultos se acham donos da razão. E os adultos se escondem no escudo dos filhos e na fachada do casamento.

Naquela época, a diferença era que os pais não deixavam o atrito prosperar. Colocavam um de frente ao outro para se abraçarem e retomarem a convivência.

Ou o carinho, ou o castigo. Tinham que escolher.

O abraço acabava se tornando o castigo: forçado, duro, custoso, sofrido, contrariado, mas funcionava. Depois de uma hora, voltavam a se falar como se a rixa nunca tivesse acontecido.

Quando compreendemos que nada mudou da irmandade, resgatamos o gosto e a leveza dos laços. Afinal, entre vocês a lealdade e a provocação vinham em altas doses diárias. Irmão é paraíso e inferno alternados. Não se cegue apenas com um dos mundos.

Vocês se estranhavam com igual intensidade com que riam ou aprontavam, porém não havia chance de amuo e birra dividindo o beliche e o quarto. Precisavam se sentar à mesa, lado a lado, de novo. Precisavam se acomodar no sofá ou banco do carro, lado a lado, de novo. Precisavam resolver as tensões para seguir adiante como família.

Se as palavras separavam por um momento, as atitudes de apoio logo recuperavam o território perdido.

Reatavam porque moravam juntos. Reconciliavam-se porque brincavam juntos. Você não botava fora a companhia tão importante contra a solidão, pois sacrificar o seu parceiro de vida seria o equivalente a se isolar. Não dava para jogar futebol sozinho, cartas sozinho, vôlei sozinho, qualquer tabuleiro sozinho.

Se atualmente você amarga uma desavença, pode bloquear o mano ou a mana para sempre. Abandonar. Suspender o contato. Esquecer. Fingir que morreu. Por um ruído de comunicação que sempre existiu. Por um estremecimento que sempre ocorreu. Por desacordos que sempre estiveram presentes.

O que falta é se perdoarem com mais frequência. Na maior parte das vezes, as discussões infantis são as mesmas. 

Esta coluna contém informação e opinião

CARPINEJAR 


Prova de humanidade

Sou humano e nada do que é humano me é estranho. Aprecio muito esta citação do poeta romano Terêncio, que costumo usar como uma espécie de atestado de vacina contra as surpresas da vida. Mas esse negócio de vender a íris dos olhos em troca de uma identidade de ser humano, só para provar que não sou um robô, me parece mais do que estranho: é surreal, ilógico, antinatural e mais algum adjetivo de absurdidade que me falta agora no meu escasso vocabulário de imprecações leves.

Eu vi, com essas cansadas íris que tão cedo a terra não haverá de comer, uma mulher dizendo para a amiga na televisão:

- Acabei de vender o meu olho!

Claro que logo pensei em transplante de córnea ou algo do gênero, mesmo sabendo que a venda de órgãos é considerada crime em nosso país. Mas não era nada disso: a moça estava apenas contando que se submetera a um processo de escaneamento dos próprios olhos em troca de uma recompensa em criptomoedas, o dinheiro digital que pode ser convertido em dinheiro real. Por seu ato voluntário, também recebeu um certificado de humanidade da empresa multinacional que cataloga olhares e dados pessoais de homens e mulheres ao redor do mundo.

O World Network é um projeto da empresa Tools for Humanity e seu principal objetivo - segundo seus idealizadores - é ajudar a diferenciar humanos de robôs e inteligências artificiais. Parece até uma causa humanitária em tempos de vídeos manipulados por vigaristas digitais, com políticos e celebridades dizendo o que nunca disseram. Mas talvez não seja só isso. Há tantas dúvidas sobre o real interesse desses captores de íris que o negócio já está sendo proibido por países preocupados em proteger os dados pessoais dos seus cidadãos.

Podem me acusar de tecnofobia, mas já vou avisando: não vendo nem alugo meus olhos por criptodinheiro algum. Se algum dia precisar provar que sou humano de outra maneira que não seja decifrando aquelas letrinhas distorcidas dos testes de autentificação digital, alegarei que tive medo de escanear minhas íris - sentimento que os robôs ainda não conseguiram incorporar de forma convincente. Ainda! _

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

NILSON SOUZA 


Mudança de rumo

A segunda posse do republicano Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, ontem, assinala uma guinada radical na administração do país mais poderoso da América e, por consequência, na geopolítica mundial. Se realmente cumprir as promessas de campanha reiteradas no último domingo em Washington durante o ato denominado comício da vitória e oficializadas nos decretos que já começou a editar, Trump colocará em prática uma série de medidas protecionistas para a economia e a indústria norte-americana, restringirá severamente a imigração ilegal e abandonará as políticas de diversidade adotadas pelo governo democrata de Joe Biden. Para isso, ele conta com amplo apoio, tanto da população que o reelegeu quanto de uma maioria parlamentar folgada, uma Suprema Corte conservadora e até mesmo das grandes empresas de tecnologia, que se alinharam recentemente ao republicano.

Ainda que defenda algumas posições polêmicas e até contestadas por lideranças e organizações internacionais, especialmente em temas relacionados ao meio ambiente e aos direitos humanos, Trump começa o seu novo governo com perspectivas reais de recuperar a economia norte-americanas. Para isso, ele está montando uma equipe de assessores reconhecidamente qualificados, com potencial para virar o jogo e cumprir seu lema de campanha, de fazer a América grande outra vez.

Embora desperte reações de desconfiança e até de críticas antecipadas por seu estilo bravateiro, em muitas situações o republicano vem se revelando um bom negociador, como ocorreu ainda na semana passada em relação à trégua no conflito do Oriente Médio e, mais recentemente, no rumoroso episódio da plataforma chinesa TikTok, que chegou a ser suspensa no último dia da administração anterior. Ao conceder um prazo maior para as duas partes buscarem uma solução negociada, o presidente republicano atendeu ao clamor de parcela expressiva da população que utiliza a plataforma digital para se comunicar e fazer negócios.

Considerando-se o poder que detém, algumas provocações feitas por ele realmente assumem o tom de ameaça. Foi o que ocorreu recentemente, quando disse que os Estados Unidos deveriam anexar o Canadá ao território norte-americano e poderiam usar a força para se apropriar da Groenlândia e do Canal do Panamá. Mas suas atitudes contrariam as bravatas, tanto que já retomou o diálogo com o presidente da China, considerado o maior rival norte-americano na disputa pela hegemonia mundial.

Evidentemente, nem tudo pode ser levado na brincadeira. Embora certas manifestações trumpistas possam ser consideradas inconsequentes, o cargo que ele ocupa tem o potencial de transformar palavras em ação e de mexer com o comportamento das pessoas. Basta lembrar que foi um pronunciamento irresponsável no final de seu mandato anterior que estimulou seus apoiadores a invadirem e depredaram a sede do poder legislativo do país. Ironicamente, a mesma democracia que ele colocou sob suspeita naquela ocasião acabou assegurando seu retorno ao poder. Até por isso, é legítimo esperar que a solidez do sistema democrático estado-unidense continue funcionando como preventivo e correção para eventuais desvios cometidos pela administração de plantão.

Mesmo que se discorde dos posicionamentos de Trump sobre temas controversos como política de imigração, meio ambiente, diversidade e comércio internacional, não há como ignorar que sua eleição foi legítima e que ele representa, neste momento, uma perspectiva de mudança de rumo no país que lidera a economia mundial e exerce influência em todos os continentes. O melhor para a humanidade é que Trump faça um bom governo e que sua habilidade para negociar com outros líderes mundiais conduza o planeta para tempos menos conflituosos. 

OPINIÃO DA RBS 


21 de Janeiro de 2025
GPS DA ECONOMIA

Rota será turbulenta para fusão Azul-Gol

Prates vê dois níveis de dificuldade na aprovação da fusão. O primeiro é o avanço do acordo entre as empresas:

- O memorando de entendimento é muito vago, deixa a possibilidade de não avançar. A fusão só ocorre se as duas, lá na frente, estiverem financeiramente bem.

Caso avance, pondera que o Cade pode não autorizar, tamanha a concentração.

- O Cade é independente e orientado a tomar a decisão que garanta a concorrência. Mesmo que houvesse risco de falência, a fusão só seria aprovada se não houvesse opção melhor, e há opções melhores.

Quando o Cade aprova fusão que resulta em concentração, pode impor restrições.

- Seria obrigar a abrir mão de slots e vender para uma nova concorrente. A fusão representa cerca de 60%. Pode concentrar nas rotas da concorrente, jogando o preço para baixo e inviabilizando a nova.

E se for venda para a Latam?

- Nesse caso, não digo que as duas trabalhariam em cartel. Mas por que a Latam compraria briga com uma empresa tão grande se só vai perder? Nesse caso, o melhor para as duas seria manter o preço alto - foi a resposta. 

Adiamento de taxação e BC evitam alta do dólar

Ainda que tenha reforçado as ameaças de campanha no discurso de posse, Donald Trump deve adiar a que tem maior potencial de abalo no câmbio: o aumento do imposto de importação. A informação do jornal The Washington Post trouxe alívio global, e o dólar fechou ontem em R$ 6,041, queda de 0,4%.

A elevação de tarifas a produtos que chegam aos Estados Unidos tem potencial de gerar aumento de inflação. Com preços em alta, o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) terá de ser mais cauteloso na redução do juro (detalhes acima).

Outros fatores influíram: houve menor número de negociações por ser feriado nos Estados Unidos - dia de Martin Luther King, citado até por Trump na posse -, e no Brasil o Banco Central (BC) fez intervenção no câmbio de US$ 2 bilhões. A injeção de dólares no mercado aumenta a oferta da moeda e tem potencial de diminuir a cotação.

O BC não informa o motivo para ter realizado a operação, anunciada na sexta-feira. A instituição já afirmou, tanto na gestão passada quanto na atual, que só intervém em caso de "disfuncionalidade". _

Marta Sfredo

21 DE JANEIRO DE 2025
POLÍTICA E PODER - Política e poder - Rosane de Oliveira

Trump semeia preocupação com negacionismo ambiental

Eram 14h39min, horário do Brasil, 12h39min em Washington, quando Donald Trump anunciou que a "era de ouro" dos Estados Unidos acabava de começar. Foi o desfecho de um discurso interrompido várias vezes pelos republicanos em maioria no Capitólio. Nos trechos mais alarmantes, os ex-presidentes Joe Biden, Barack Obama, Bill Clinton e George W. Bush não acompanharam os aplausos. Trump fez um discurso megalômano, como fora sua campanha vitoriosa, e assustou os defensores do meio ambiente com seus primeiros anúncios.

Depois de declarar emergência na fronteira com o México, para impedir a entrada de imigrantes, e de anunciar que colocará as Forças Armadas para atuarem contra a imigração ilegal, o 47º presidente dos Estados Unidos mandou um recado assustador ao mundo. Declarou emergência energética e anunciou uma espécie de "liberou geral" para os combustíveis fósseis. Disse que os EUA voltarão a ser um país manufatureiro, com incentivos à produção de carros movidos a qualquer tipo de combustível.

- Teremos mais petróleo e gás do que qualquer país na terra. Usaremos nossas reservas para exportar - anunciou Trump, sem qualquer preocupação com emissões de carbono, aquecimento global ou emergência climática.

Disse que o petróleo é "ouro líquido" e que ao acabar com a lei ambiental vigente nos Estados Unidos o país será cada vez mais rico.

Preocupação para os exportadores

O trecho que deve preocupar os exportadores brasileiros (e do mundo todo) veio logo a seguir, com uma declaração bombástica:

- Vamos taxar os países estrangeiros para enriquecer nossos cidadãos. Vamos encher os cofres de dinheiro das tarifas. Não disse de quanto será a sobretaxa, mas confirmou o que afirmava antes da posse: quem quiser vender para os Estados Unidos vai ter de se submeter a novas regras.

Depois de anunciar que vai acabar com todo e qualquer tipo de censura, Trump avisou: - A partir de hoje, tudo será baseado no mérito. Na América, teremos a apenas dois gêneros: masculino e feminino. _

Comitiva brasileira ficou fora da cerimônia no Capitólio

Os eventos paralelos justificaram o esforço de um grupo de deputados brasileiros de ir aos Estados Unidos para a posse do presidente Donald Trump. Mas na cerimônia mesmo, no Capitólio, ninguém entrou.

Os "convidados" tiveram como opção assistir à posse pelo telão, em uma arena fechada, ficar ao relento ou acompanhar a posse pela TV, do hotel.

O deputado Giovani Cherini (PL) foi sincero:

- Estamos assistindo com um grupo de brasileiros do lado de fora do Capitólio. Está 12 graus negativos. Uma sensação térmica terrível. Tudo bem para quem nasceu na roça, em Soledade, vendendo nó-de-pinho na beira da BR-386. Já peguei -9 (graus).

Cherini tirou fotos com os brasileiros, entre eles os deputados Maurício Marcon (Podemos) e Carla Zambelli (PL-SP), segurando uma "fusão" da bandeira do Brasil com a dos Estados Unidos. _

Na posse, Melania esconde o rosto na aba do chapéu

O chapéu lembrou a figura de Zorro, um dos personagens mais conhecidos do cinema americano. Na hora em que Trump foi beijá-la, esbarrou na aba e conseguiu apenas dar um selinho no ar, próximo ao queixo da esposa. O conjunto preto contrastou com a roupa escolhida para a posse em 2017, quando usou um vestido azul bebê. _

Michelle Bolsonaro e o jantar de gala

Nos comentários de uma das fotos de Michelle, seu maquiador oficial, Agustin Fernandez, escreveu: "Esbanje beleza, deslumbre elegância. Com vocês, Lady M".

A esposa de Eduardo Bolsonaro, Heloísa, usou um longo vermelho que também ressaltava suas formas. Na noite de ontem, os brasileiros estavam no grupo de convidados para o baile da posse. Susana Kakuta comandará Sesi, Senai e IEL no RS A partir de 1º de fevereiro, o Sesi, o Senai e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL) terão comando único no Rio Grande do Sul. A executiva Susana Kakuta será a diretora-geral das três instituições, subordinada ao diretor-executivo da Fiergs, Paulo Herrmann.

O novo modelo de gestão, confirmado pelo presidente da Fiergs, Cláudio Bier, está em fase de implantação. O superintendente do Sesi-RS, Juliano Colombo, deixa o cargo no dia 31. Carlos Trein, que dirigia o Senai-RS, foi demitido no final de dezembro. _

POLÍTICA E PODER


21 de Janeiro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

"Era de ouro" ou Idade Média?

Em seu discurso de posse, Donald Trump começou e terminou o pronunciamento decretando que "a era de ouro dos Estados Unidos começa agora". No entanto, a julgar por suas palavras, o que teve início ontem assemelha-se ao retorno da América à Idade Média.

Em itens como imigração, gênero, ambiente, relações internacionais e globalização, o presidente que volta ao poder demonstrou total desprezo pelos avanços da sociedade contemporânea e escancarou um nativismo que poucas vezes se viu no século 21.

Com relação à migração, afirmou que assinaria ordem decretando "emergência nacional" na fronteira Sul, prometendo "mandar milhões de imigrantes e criminosos de volta aos lugares de onde vieram" e começar a política do "fique no México".

Ele ignora que a história dos EUA é feita de pessoas que vieram de várias partes do mundo para erigir a América. Outro tema, alinhado a sua lógica binária, estabeleceu que: "a partir de hoje, vai ser política governamental para apenas dois gêneros: masculino e feminino".

Enquanto o mundo caminha para o uso de energia limpa, redução do uso de combustíveis fósseis e menos emissões de gases do efeito estufa para o equilíbrio do desenvolvimento econômico e respeito ao ambiente, Trump defendeu "vender mais petróleo e gás" e em acabar com o que chamou de "lei mandatória dos carros elétricos":

- O ouro líquido que está sob nossos pés nos ajudará a chegar lá - disse no discurso.

Fez aflorar um dos lados mais condenáveis da história americana, o colonialismo, ao prometer retomar o Canal do Panamá.

- O canal foi dado de forma muito tola para o Panamá, um presente que nunca deveria ter sido dado. A promessa foi quebrada: nossos barcos e navios estão sendo tarifados. A China está operando o Canal do Panamá. E vamos pegar de volta - disse.

Em outro arroubo nacionalista, para não dizer xenófobo, afirmou que pretende trocar o nome do Golfo do México por "Golfo da América".

Em um mundo cada vez mais interconectado e globalizado, prometeu muros econômicos:

- Vamos taxar países para proteger nossos cidadãos.

Invocou a defesa da liberdade em várias ocasiões, mas, diante dos barões das big techs, que abraçaram o trumpismo não por ideologia, mas para se livrar de regulamentações, acabou fincando a bandeira do "tudo é permitido" nas redes. _

"Nós amamos vocês, América", diz Biden

Em uma das suas últimas publicações como presidente dos Estados Unidos, Joe Biden compartilhou uma selfie ao lado da esposa Jill Biden. A imagem foi publicada nas redes sociais da conta oficial da presidência.

"Mais uma selfie para a jornada. Nós amamos vocês, América", disse a legenda.

Na imagem, o casal está nos jardins da Casa Branca, com árvores e arbustos tomados de neve durante o frio da capital Washington. Esse, inclusive, foi um dos motivos para o evento de posse, que normalmente ocorre ao ar livre, ser realizado dentro do Capitólio.

Antes de ser presidente, Biden foi membro do Conselho do Condado, senador (por 36 anos) e vice-presidente de Barack Obama. _

Trump mais forte

Muito se comenta que Donald Trump chega ao novo mandato mais forte do que no anterior. Mas por quê?

Primeiro pela chancela das urnas, na eleição de 2024. O republicano conquistou a ampla maioria dos votos no colégio eleitoral e entre os eleitores. Em 2016, quando chegou pela primeira vez ao poder, ele havia perdido para Hillary Clinton no voto popular - ou seja, embora o que vale nos EUA é conquistar a maioria dos votos dos delegados, havia, nos bastidores, uma certa crise de legitimidade. Agora, não.

Segundo, Trump não pode se apresentar como um outsider, como em 2017. Na época, era alguém de fora do establishment, um "apolítico". Agora, exerceu o poder. Os americanos o conhecem - e o elegeram. Logo, Trump está chancelado também por um eleitor que deseja tê-lo de volta.

Outro ponto importante: o republicano assume com uma vitória geopolítica nas mãos, o acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas. Claro que o acerto é fruto de um esforço também da diplomacia americana, sob comando de Biden, mas Trump teve papel fundamental. Retorna ao poder com estatura elevada.

Além disso, terá maioria no Congresso. Ainda que frágil - dois senadores a mais do que os democratas no Senado e quatro deputados a mais na Câmara. Isso facilita a aprovação de projetos e dificulta eventuais processos de impeachment. E terá uma Suprema Corte mais conservadora.

Por último, retorna com apoio do empresariado americano - e, principalmente, das big techs. Trump tem a América corporativa na mão. _

A ausência de Michelle Obama

O ex-presidente dos EUA Barack Obama chegou sozinho à posse de Trump.

É costumeiro que ex-presidentes e ex-primeiras-damas compareçam ao evento. Bill Clinton estava acompanhado da esposa, Hillary.

George W. Bush, de Laura. Já Michelle não estava presente.

Essa não é a primeira vez que ela não comparece a eventos oficiais. Recentemente, esteve ausente no funeral do ex-presidente Jimmy Carter.

O escritório do casal emitiu nota confirmando a presença de Barack, sem explicações para a ausência de Michelle.

Ela sempre apresentou abertamente divergências com Trump e seus apoiadores, além de fazer campanha para a democrata Kamala Harris. _

Sem reações

Durante discurso, Trump anunciou: "Vou declarar emergência nacional nas fronteiras do Sul". Prontamente, a maioria do público se levantou, ovacionou-o com aplausos. Contudo, algumas pessoas não levantaram nem expressaram reações.

Entre os que permaneceram imóveis: Biden, Kamala, Bill e Hillary Clinton, George W. Bush e a esposa Laura, e Obama. _

De olho no Brasil

O ex-presidente Jair Bolsonaro não foi aos EUA acompanhar a posse de Donald Trump. Mas o bolsonarismo colheu alguns frutos. Em almoço com a comitiva brasileira de parlamentares que estiveram presentes, Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, afirmou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, será presidente do Brasil. 

INFORME ESPECIAL

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025


20 de Janeiro de 2025
CARPINEJAR

Saidinhas assassinas

O delegado da Polícia Civil Josenildo Belarmino de Moura Júnior, 32 anos, natural de Pernambuco, foi morto a tiros pelas costas na manhã de terça-feira, na Chácara Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Câmera de segurança flagrou o momento em que ele foi atingido e caiu no chão.

Antes de morrer, teria suplicado: "Sou muito jovem para morrer. Queria ver meus filhos". Ele ainda não tinha filhos. Estava com casamento marcado para junho, depois de 10 anos de noivado. Pensou, naquele derradeiro instante, em tudo o que deixou de experimentar e de amar.

Tornou-se mais uma vítima da saidinha. Pois o seu assassino desfrutava do direito à saída temporária. Quantos milhares de homicídios poderiam ser evitados se não houvesse tal benesse?

Como explicar para as famílias enlutadas que o responsável pelo fim de seu ente querido circulava na rua indevidamente, pois já estava teoricamente confinado? Não dá para acreditar no sistema, que se mostra frouxo e leniente. Nosso semiaberto é escancarado, colocando em risco a seriedade do Direito Penal.

Em outubro de 2024, há três meses, um suspeito de estuprar uma jovem de 18 anos no bairro Campo Novo, em Porto Alegre, cumpria pena na Penitenciária Estadual de Montenegro, no Vale do Caí. Ele recebeu uma autorização para saída temporária entre os dias 14 e 17 de junho, e o crime foi cometido no dia 16.

Já passou da hora para suspender o artigo 122 da Lei de Execução Penal, que estabelece a "saidinha" para apenados do regime semiaberto no nosso passado, presente e futuro. O Congresso restringiu seu uso, mas as novas regras não se aplicam a quem já estava condenado antes da promulgação da lei, em abril de 2024.

Esta legislação permite que os prisioneiros saiam da unidade temporariamente até cinco vezes ao ano, sem vigilância direta, para visitar a família, estudar ou participar de atividades que contribuam para ressocialização. Deveriam ficar em casa, e não ficam.

O que costuma acontecer é a reincidência ou mesmo a fuga. Nos últimos três anos, a cada mil saídas no RS, 25 presos não retornaram, num percentual de 2,5%. No período, houve cerca de 60 mil detentos com esse benefício da progressão da pena.

Testemunhamos uma infindável coleção de estupros, de assaltos, de latrocínios e de homicídios de quem já se encontra preso. Ou seja, é um retrabalho inútil e sisífico da Polícia Civil, do Ministério Público e do Judiciário.

Não são casos isolados, mas recorrentes, ameaçando a integridade do cidadão, que não se vê em segurança. O promotor de Justiça gaúcho Bruno Amorim Carpes, em seu livro O Mito do Encarceramento em Massa (Editora E.D.A.), expõe o "cárcere mental" em que vivemos, onde os presos se sentem livres e os livres se sentem presos.

"Em análise da realidade executória da pena, constata-se que a saída temporária, destinada apenas aos apenados que cumprem o regime semiaberto, premia praticamente apenas os autores de delitos de extrema gravidade, isto é, condenados por um dos 28 crimes que estipulam o regime inicial fechado (2,6% dos intervalos de pena previstos na legislação penal), visto que exige o mesmo requisito para a progressão de regime (1/6 da pena), salvo reincidentes (1/4)."

Cria-se uma tentadora oportunidade para os presidiários caçarem novas presas enquanto ainda cumprem pena. Transformam-se em coringas da impunidade, convocados ao crime exatamente por sua situação ambígua, posto que contam com o melhor álibi de todos: já estão presos.

Quem não tem escolha é a vítima, quem não dispõe de uma segunda chance é o morto. A tragédia anunciada é irreversível. 

CARPINEJAR


20 de Janeiro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Como matar baratas

No módulo da exposição dedicado a A Metamorfose, havia baratas subentendidas em todos os cantos. Uma delas, incorporada em cena pelo bailarino inglês Edward Watson, acabou me seguindo até em casa. A coreografia assinada por Arthur Pita (o David Lynch da dança, segundo o The Guardian) recria os movimentos e o aspecto repugnante de um híbrido entre homem e inseto de forma tão convincente e perturbadora que, depois de assistir a um trecho do espetáculo na exposição, fui obrigada a buscar o vídeo completo no YouTube (The Metamorphosis, no perfil Ballo Arthur Pita) - o que, ao invés de uma noite de sonhos intranquilos, resultou em uma experiência estética inesquecível.

Talvez, ainda mais difícil do que imaginar um homem que acorda transformado em um bicho nojento, seja tolerar a imagem de uma mulher (rica, bonita, bem-sucedida) comendo um. No conto A Quinta História, incluído no livro A Legião Estrangeira, a narradora criada por Clarice Lispector testa uma receita para matar baratas e acaba abismada pela imagem das criaturas que ela mesma, tomada por um "vago rancor", havia transformado em pequenos monumentos de gesso. No livro seguinte, o romance A Paixão Segundo GH, a escritora volta ao tema radicalizando ainda mais a vertigem de identificar-se com o inseto, finalmente levando à boca a "massa branca da barata" ou "a coisa em si".

A Metamorfose e A Paixão Segundo GH têm mais em comum do que as baratas. Tanto Kafka quanto Clarice Lispector desafiam o leitor a aceitar o que ele não entende, aderindo à lógica de um universo que é ao mesmo tempo familiar e estranho. David Lynch (1946-2025) fazia parte dessa linhagem de artistas que nos desacomodam não apenas por aquilo que mostram, mas também pelo que deixam submerso. Em seus filmes, as portas da percepção ficam sempre abertas para o que não está lá - ou está, mas apenas como resultado da combinação entre o enigma visual que o cineasta propõe e os sentidos que cada espectador constrói.

A propósito: na cena final de Veludo Azul, meu Lynch favorito, o contraste entre o idílio doméstico e todas as forças que apontam para o lado do mistério e das sombras assume a forma de um passarinho abocanhando uma barata - ou alguém da mesma família.

Cláudia Laitano 



20 de Janeiro de 2025
EM FOCO - Anderson Aires

EM FOCO

Mesmo com desafios impostos por desastres climáticos e regulamentação, o Rio Grande do Sul segue expandindo a capacidade de gerar energia solar. Em 2024, a potência instalada do setor ultrapassou a casa dos 3 mil megawatts (MW) e avançou 16,73% ante o fim de 2023. Apesar da expansão, o ramo mostra sinais de perda de ritmo diante de acomodação após pico na busca por benefícios em um passado recente.

Para 2025, a tendência é de desaceleração diante de fatores como dólar e juro em alta, aumento do imposto de importação e limitação na liberação de novos pedidos. Mas também existe espaço para crescimento no uso de sistemas com baterias.

Até 10 de dezembro de 2024, a potência instalada da energia solar no RS estava em 3.117 MW. No fim de 2023, o Estado concentrava 2.670,2 MW, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). A potência instalada mostra a capacidade que o sistema tem de gerar energia e entregar aos usuários ligados à rede.

O número de unidades consumidoras (UCs) recebendo créditos também apresentou alta. Até dezembro de 2024, o Estado tinha 448.851 UCs. Um ano antes, eram 396.839 UCS. Ou seja, avanço de 13,11%. No modelo de sistema de geração distribuída fotovoltaica, a sobra da energia gerada pela unidade vira créditos de energia solar, que podem ser utilizados pelo consumidor para abater o valor da conta de luz.

A coordenadora estadual da Absolar no Estado e sócia da Solled Energia, Mara Schwengber, afirma que o setor caminha para uma normalização na expansão após o pico observado em 2022. Naquele ano, teve uma explosão na busca por sistemas solares para garantir menos taxação às vésperas de mudança na lei.

Cenário mais desafiador

Para 2025, o setor de energia solar convive com cenário mais desafiador no país e no Estado. Como boa parte dos produtos usados pelo ramo são importados, dólar estacionado na casa dos R$ 6 e aumento na taxa de importação de painéis solares alteram a cadeia de custos e respingam sobre os preços finais.

- As primeiras importações com imposto já chegaram, já se começa a perceber aumento de preços neste ano. Mas não vai voltar aos patamares de valor que a gente já teve no passado. Deve ainda ficar muito distante disso, porque o custo do produto baixou muito - diz Mara Schwengber, da Absolar no RS.

Outro entrave está no âmbito da regulamentação. Normas federais que tratam sobre a inversão de fluxo determinam que áreas não podem gerar mais energia do que consomem. Essa limitação segue travando novos empreendimentos, diz Mara.

Aline Pan, professora do curso de Engenharia de Gestão de Energia da UFRGS, também cita que essa limitação deve ser o maior freio para o setor. O problema afeta todos os portes de consumidores, mas penaliza mais os que têm menos estrutura, aponta. Mara afirma que, mesmo com todos esses desafios, o setor deve seguir avançando em 2025, mas em ritmo menor. _

Mesmo com a perda de ritmo esperada para 2025, a coordenadora da Absolar, Mara Schwengber, projeta que os sistemas híbridos, com uso de baterias, devem puxar o avanço do setor. Mara afirma que os custos para instalar esse tipo de tecnologia estão menores na comparação com um passado recente, abrindo espaço para os usuários melhorarem o retorno do investimento:

- Hoje, por exemplo, o sistema híbrido com bateria para uma residência, um inversor mais um módulo de bateria que vai atender a cargas primárias, não toda casa, mas vai atender as principais cargas, a gente fala num payback (retorno do investimento) igual a lá em 2022, 2023, sem bateria. Então, com a redução do preço das baterias e dos equipamentos de energia solar, a gente consegue hoje uma viabilidade econômica desses projetos.

Já a professora Aline Pan, da UFRGS, entende que os preços das baterias ainda seguem elevados, o que torna essa alternativa uma solução mais viável para clientes com maior poder aquisitivo e que precisam proteger o sistema.

A coordenadora da Absolar afirma que muitas empresas que trabalhavam com a instalação de sistemas de energia solar fecharam nos últimos anos após a explosão de adesão em 2022. Agora, com a tendência de alta no uso de sistemas híbridos, existe espaço para profissionais mais especializados:

- Quando a gente fala em sistemas híbridos, precisa ter um conhecimento técnico maior, tanto de engenharia, quanto de instalação, porque vai mexer na parte elétrica da casa, da empresa. Não é como o sistema solar, que é basicamente instalado e conectado. Isso também exige mais mão de obra especializada, exige que os profissionais também dominem essas novas tecnologias - diz Mara.

Anderson Aires


20 de Janeiro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Roberto Abdenur

Embaixador do Brasil nos Estados Unidos de 2004 a 2007 e representante do país na China na época do Massacre da Praça da Paz Celestial

"Será um governo disruptor"

Com 45 anos de experiência como diplomata, Roberto Abdenur se diz preocupado com o tom e os sinais de Donald Trump, que toma posse hoje para um mandato de quatro anos na Casa Branca. Vê vantagens em relação ao antecessor, mas alerta que o Brasil será prejudicado pela guerra comercial e considera "improváveis" ameaças de invasão feitas por Trump a Panamá, Canadá e Groenlândia, mas vê o novo presidente dos EUA como "capaz de qualquer coisa". Por isso, teme que oito décadas de relativa paz - ao menos sem grandes guerras - estejam ameaçadas.

O que espera do novo governo Trump?

O dia 7 de janeiro representou o fim de uma era de relativa paz no mundo desde o fim da Segunda Guerra. Trump anunciou a intenção de eventualmente tomar pela força Panamá, Groenlândia e anexar o Canadá. Foi a primeira vez que os Estados Unidos mencionaram expansão de área depois de completar o seu território em 1848. Intervieram em muitos países, como Vietnã, Iraque, Afeganistão, para defender interesses, manter apaniguados no poder ou derrubar governos. Nunca para anexar território. Violaria o princípio básico da ONU, o respeito à soberania e à integridade territorial dos Estados.

Não é só bravata?

Pode ser bravata. Mas não se pode excluir que seja para valer. Trump é capaz de qualquer coisa e está muito impetuoso. Fico preocupado. Acho improvável chegar às vias de fato, mas não se pode excluir a possibilidade, sobretudo no caso do Panamá. Ele montou um gabinete de extremistas, com pessoas sem experiência e até com maus antecedentes, sem escrúpulos. São negacionais da mudança do clima, do multilateralismo.

No primeiro mandato, republicanos e o serviço público americano, o ?deep state?, ajudaram a moderar Trump. Como será agora?

No primeiro mandato, Trump não estava preparado para governar. Não tinha planos, ideias, roteiro. E teve assessores próximos que eram os adultos na sala. Agora é diferente. Tem plano de governo de 800 páginas que traça um roteiro de intervenção no ?deep state?. A intenção é colocar um representante de Trump em cada principal órgão de governo, com instruções para destruir o que está lá e substituir por outros critérios e protocolos. Ele tem domínio absoluto sobre os republicanos, com uma ressalva. Alguns líderes são mais conservadores no plano fiscal. Trump pode ter algumas dificuldades para aprovar despesas, porque há preocupação com o aumento da dívida americana.

Se há esperança de que a guerra física seja bravata, a comercial não deve ser?

Ele diz que tarifa (em inglês, tariff é sinônimo da expressão "imposto sobre importação" em português) é a palavra mais bela da língua inglesa e vai usar como porrete, ou seja, como instrumento de pressão e chantagem. Não só contra adversários, como a China, mas contra aliados e parceiros importantes, como os dois principais, México e Canadá, a quem está prometendo impor tarifas de 25%. Isso é contra os interesses dos EUA.

Por quê?

Vai aumentar o custo dos produtos para o consumidor americano, elevando a inflação. Também vai dificultar a importação de produtos, insumos e componentes para fabricação nos EUA. É um tiro de canhão no pé, mas está sendo endossado cegamente pelos apoiadores e a maioria dos republicanos. Vai ser muito prejudicial para o Brasil, mesmo que a tarifa across the board (para todo o mundo, sem especificação de país) fique a 10% e mais alta para Canadá e México. Já gera um prejuízo muito grande. Os EUA têm déficit com quase todo o mundo. Com a China, é de cerca US$ 250 bilhões. Com o Brasil, atipicamente, tem saldo positivo ao redor de US$ 1 bilhão. Seria muito perverso que Trump agredisse o Brasil.

Se não haverá moderação interna, há expectativa de alguma externa?

É pouco provável. Pesquisa em 30 países, incluindo o Brasil, mostrou que a única região onde a imagem de Trump é muito negativa é a Europa. No resto do mundo, a avaliação é muito positiva, o que é muito surpreendente. Trump pode enfraquecer a Otan ou até anulá-la, se retirar o apoio ao artigo 5 da Carta da Otan, pelo qual os países se comprometem a defender qualquer outro membro atacado. Trump pode desfazer ou debilitar esse eixo do Atlântico Norte que foi importante para a manutenção da paz.

Analistas dizem que o que custou a reeleição de Biden foi a inflação. O que pode ocorrer se a guerra comercial elevar demais os preços?

É provável que os exageros e barbaridades cometidos nos primeiros dois anos resultem em grande perda eleitoral nas chamadas mid term elections, eleições para o Congresso. É usual que a oposição ganhe do governo de turno. No caso de Trump, quase certamente fará muita coisa que fará eleitores que o apoiaram se arrepender disso. Pessoas votaram no Trump sabendo que ele faria coisas danosas contra elas. É muito clara essa divisão do país: cerca da metade está em revolta contra o status quo em geral, econômico, político, social, tecnológico, científico.

Há algo de bom a esperar?

Incrivelmente, Trump pode até fazer coisa boa em política externa. Já está fazendo algo bom, pressionar (Benjamin) Netanyahu a aceitar um cessar-fogo em Gaza. Ele não quer herdar esse problema depois de assumir. Deu ultimato. Emissários trabalharam juntos para viabilizar esse acordo. O interesse de Netanyahu é prolongar o conflito o máximo possível para se preservar politicamente e evitar três processos criminais em que está envolvido. Mas coisas boas serão tópicas. Será um governo altamente disruptor, destrutivo.

Qual o risco na relação entre EUA e China?

Trump tem, de certo modo, uma vantagem sobre Biden. Tem interlocução com Putin, o que pode ajudar a conter a Rússia e eventualmente levar a um cessar-fogo que não represente anexação definitiva dos territórios ocupados pelos russos. O mesmo com Xi Jinping (presidente da China), a quem ele admira. Trump gosta de autocratas e ditadores. Musk será vínculo importante entre ele e Xi, por ter imensos interesses econômicos na China. Tem uma megafábrica que acaba de completar a produção de 13 milhões de automóveis da Tesla. Musk é muito simpático ao governo da China e ao Partido Comunista Chinês. Ele diz ser libertário, mas em relação à China é mansinho e totalmente amigável.

O que o Brasil tem a perder com a guerra comercial?

As exportações para os EUA diminuirão. O Brasil atribui muita importância à OMC (Organização Mundial do Comércio), um veículo do multilateralismo. Está quase paralisada, há anos os EUA não permitem a designação de novos peritos para o mecanismo de solução de controvérsias (mediador de acusações de concorrência desleal). Estaremos indefesos diante da guerra comercial que Trump promoverá. É motivo de preocupação da indústria, do agro e dos exportadores, que precisam ficar muito atentos. 

GPS DA ECONOMIA


20 de Janeiro de 2025
ACERTO DE CONTAS - Guilherme Jacques - (Interino)

Donald Trump retorna à Casa Branca hoje cercado de expectativas sobre suas ações frente à presidência dos Estados Unidos pela segunda vez. Pudera, desde a campanha eleitoral, promessas não faltaram. Elas, por si só, mexem com a economia global e respigam, claro, no Brasil - inclusive no Rio Grande do Sul, que tem o território americano como o segundo maior destino de exportações. Em tempo, o primeiro destino das exportações gaúchas é a China, um dos alvos preferenciais de Trump. Ou seja, o cenário requer atenção.

Apesar disso, há pouca certeza sobre a concretização de tudo que o novo presidente americano vem anunciando. Na avaliação do diretor de Políticas Públicas e Relações Governamentais da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), Fabrizio Panzini, é preciso aguardar para se ter clareza de como virão as medidas, quais impactos terão e a quem causarão efeitos, sem deixar de ter em vista a consolidação das relações comerciais do Brasil.

A consolidação, aliás, é um dos motivos que o faz avaliar que mesmo a guinada de grandes empresas, como as gigantes de tecnologia, em acenos a Trump não deve mudar agendas que já estejam pacificadas, como a ambiental - foco de diversos investimentos no Rio Grande do Sul e outro fator a ser observado.

- Acredito que seja muito difícil uma regressão, porque as empresas já estão fazendo investimentos muito altos em pesquisa e desenvolvimento. As tecnologias de transição energética, que estão se desenvolvendo em todo o mundo, estão sendo adotadas pouco a pouco, em alguns casos até em uma escala mais acelerada - disse Panzini ao programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha.

- Além disso, me parece muito difícil você regredir numa agenda como essa sem perder espaço internacional, sem deixar de ser relevante como são os Estados Unidos. Principalmente, em um cenário em que várias empresas de lá mesmo já deram sinais muito claros de que vão continuar seguindo - complementa.

Dólar

Outro ponto sensível a ser levado em conta é o câmbio. Depois de flertar com um patamar abaixo dos R$ 6, na sexta-feira, o dólar fechou a R$ 6,06, influenciado especialmente pelas expectativas quanto ao novo presidente dos Estados Unidos. Ou seja, essa variável deve impactar a equação ainda mais nos próximos dias.

- Essa perspectiva de fortalecimento da economia americana, mais ainda o tema dos juros (o FED, banco central de lá, já sinalizou que deve pisar no freio quanto ao corte de juros) tem atraído investidores para eles. Nisso, você acaba tirando dólares de países como Brasil - frisa Panzini.

Ainda assim, o diretor da Amcham pontua a força dos problemas domésticos do Brasil - leia-se a discussão sobre cortes de gastos e a crise de confiança quanto à economia. Segundo ele, se o país conseguir lidar com as variáveis internas pode amenizar as possíveis externas:

- É uma mescla de fatores internos e externos. Mas na parte da economia internacional não há muito como prever, porque há muita incerteza. Seja em relação às políticas que vão vir dos Estados Unidos, seja em relação aos conflitos internacionais, no Oriente Médio ou entre Rússia e Ucrânia. Então, é preciso focar esforços naquilo que podemos controlar. _

Confiança do comércio

A oscilação em relação a novembro foi de -3%, quando estava em 108,4 pontos. Isso ocorre após três altas seguidas em um movimento de recuperação pós-cheia. De junho a agosto, o índice esteve abaixo dos 100 pontos, repetindo os patamares da pandemia, o que representa pessimismo em relação ao cenário.

Os dados foram coletados em Porto Alegre no final de novembro, às vésperas da melhor data de vendas do ano, que é o Natal. Em compensação, em um contexto de dólar e juros em alta, com indícios de elevação da inflação. A queda de 4,4%, em relação a novembro, nas expectativas dos comerciantes com o cenário econômico, inclusive, que é um dos subíndices do estudo, ajudou a puxar o resultado para baixo. 

Clássico do Bom Fim irá para espaço três vezes maior

- Vamos sair de um espaço de 20 m2 para um de 70 m2, para termos mais conforto para o público e para trabalhar - conta o sócio Ildo Berte, figura conhecida da Capital, pela sua história como garçom da Lancheria do Parque.

O investimento é de R$ 200 mil. O espaço está em reformas e a ideia é ter um balcão, bancadas e mesas. Com maior capacidade, o cardápio também deve crescer, assim como os horários de funcionamento.

- Muita gente nos pede para funcionar à noite. Também estamos pensando em abrir no sábado, oferecer feijoada, que é uma opção que não temos aqui por perto - complementa, citando que ainda avalia em quanto precisará aumentar a equipe do negócio, que tem cinco pessoas atualmente.

As obras do novo local são assinadas pelo escritório Urbanode. A divulgação tem sido feita com QR codes fixados em postes da região para mostrar ao público um pouco do que está sendo planejado. A estratégia de marketing é ideia do filho de Ildo, que atua na área. 

40,2%

Mais de 3,558 milhões de pessoas estavam inadimplentes no Rio Grande do Sul em novembro, o dado mais recente do Mapa da Inadimplência da Serasa. O número representava 40,2% da população adulta gaúcha e é 2% a mais do que o registrado em outubro, com 3,486 milhões. Ainda assim, o RS era o terceiro 

Estado com menor percentual, atrás do Piauí (35,9%) e Santa Catarina (35,4%). O Amapá liderava a lista. O valor médio da dívida por gaúcho nessa situação era de R$ 5.786,80 no penúltimo mês do ano - pouco acima da média nacional, em R$ 5.558,30. No recorte de Porto Alegre, eram mais de 511 mil inadimplentes que, juntos, deviam mais de R$ 3,5 bilhões.

ACERTO DE CONTAS


20 de Janeiro de 2025
INFORME ESPECIAL-Rodrigo Lopes

Um domingo histórico

As cenas na Praça dos Reféns, em Tel Aviv, resumem a grandiosidade histórica do domingo, 19 de janeiro de 2025: a área na qual, por um ano e três meses, familiares e amigos amargaram a angústia da espera é palco agora de abraços e lágrimas em comemoração pela libertação das primeiras três reféns do total de 98 que ainda estão em poder do grupo Hamas.

Lembro bem daquela praça: ali, em outubro do ano passado, vi uma das imagens que mais me marcaram naqueles dias, como enviado especial do Grupo RBS para cobrir um ano do atentado de 7 de outubro de 2023: uma mesa posta, com pratos e taças à espera do retorno dos reféns. As cadeiras estavam vazias. Nos lugares, havia itens depositados por familiares e amigos que lembravam os sequestrados: um ursinho de pelúcia, uma bandeira, uma fotografia. Impossível não sentir o vazio.

Romi Gonen, 24 anos, Emily Damari, 28, e Doron Steinbrecher, 31, as três reféns libertadas ontem, personificam a concretização do acordo fechado entre Israel e os terroristas, com mediação dos Estados Unidos e do Catar, e que, desde o anúncio, esteve cercado de desconfianças.

Simbolicamente, a libertação também representa esperança para os familiares dos ainda cativos em Gaza de que terão, em breve, seus queridos de volta.

O acordo que silencia as armas deve ter três fases, com duração de 42 dias. Há muitas fragilidades, e seu cumprimento é incerto. Nessa primeira etapa devem ser soltos 33 reféns - vivos ou mortos. O grupo extremista vai priorizar mulheres, crianças e idosos. Já Israel deve libertar prisioneiros palestinos, em princípio menores de idade e mulheres.

Próximos passos

São duas as dificuldades, que, espera-se, sejam superadas à medida que os termos do acordo sejam cumpridos. Uma é a desconfiança de lado a lado. Qualquer troca de tiro, escaramuça ou atentado pode levar ao rompimento do acerto. Não se pode esquecer de que, em Gaza, está se negociando com uma organização terrorista, cuja palavra tem nenhum valor.

A outra é a pressão interna no próprio governo de Benjamin Netanyahu, que enfrenta a oposição dos partidos religiosos integrantes do gabinete - eles concordaram em participar do acordo nessa primeira fase, o que dá certo tempo ao primeiro-ministro. As próximas fases são mais delicadas, pois envolvem a soltura de condenados à prisão perpétua e envolvidos em atentados em Israel.

O Oriente Médio já passou por centenas de idas e vindas. A roda insana da violência costuma girar com frequência. Acordos são rasgados, acertos de cessar-fogo, rompidos. Infelizmente, é improvável uma paz duradoura. Mas, por hoje, há motivos para comemorar. Três daqueles lugares vazios à mesa posta da Praça dos Reféns, em Tel Aviv, voltarão a ser ocupados. _

Gaúcha relata a emoção ao acompanhar a libertação

- É como se fossem da família.

Assim Geruza Schneider, gaúcha de Porto Alegre, moradora do sul de Israel, interpretou seu sentimento ao ver as três reféns libertadas ontem pelo Hamas, como parte do cessar-fogo.

A relação próxima foi estabelecida pelo noticiário, que Geruza acompanha desde os atentados de 7 de outubro de 2023, quando os terroristas invadiram Israel, matando 1,2 mil pessoas e sequestrando cerca de 250. Ela conhece praticamente todos reféns e seus parentes, cujas histórias apareciam na TV diariamente nesse um ano e três meses de angústia.

- É uma confraternização nacional, mas, ao mesmo tempo, a mais pessoal possível. Cada um sente diferente. O país inteiro está emocionado - contou à coluna.

Geruza mora no kibutz de Hatzerim, a 30 quilômetros da fronteira da Faixa de Gaza, com o marido, o também gaúcho Leon Chrempach, e os filhos Yoanatan e Noa. Ela trabalhou ontem, um dia útil em Israel, mas a cada intervalo espichava o olho para as notícias sobre a libertação.

- Houve toda uma tensão, até que deram os nomes de quem seria liberado. Aí, começaram a entrevistar as famílias. E a sensação é de que a gente já conhece as pessoas: a gente viu essas mães falarem tanto no noticiário, que fica com o coração na mão - afirmou.

Ao voltar para casa, passou a acompanhar de forma contínua o processo de soltura.

- Vi quando o Hamas passou as reféns para a Cruz Vermelha, a emoção de vê-las descendo do carro, sozinhas, andando. Elas estão vivas, conseguiram sair desse pesadelo, desse inferno. Você chora e fica apavorado ao mesmo tempo - disse. _

O acordo de cessar-fogo não traz detalhes sobre o "dia seguinte", deixando em aberto o tema, que só deve ser negociado no fim da segunda etapa do acerto. O Hamas tentou dar uma demonstração de força ontem, ao exibir o que sobrou de seu efetivo mascarado e com fuzis em punho em frente a caminhonetes na transferência das reféns para a equipe da Cruz Vermelha.

O grupo, que venceu a eleição em 2006, ganhou uma guerra fratricida com a Fatah no ano seguinte e passou a comandar o território, impondo uma ditadura de terror. Os palestinos de Gaza são reféns em seu próprio território.

Aos 89 anos, o líder palestino Mahmoud Abbas, herdeiro do líder Yasser Arafat, está idoso e comanda uma organização política, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) corrupta e desacreditada. Mas, ainda assim, ela é a única força palestina capaz de dar algum tipo de esperança de dias melhores. 

INFORME ESPECIAL

sábado, 18 de janeiro de 2025


18 de Janeiro de 2025
MARTHA

Jogos eróticos

É difícil trazer esse tema à luz. Ele costuma ser combinado entre quatro paredes. Mas como fica o jogo erótico? Óbvio que é preciso educar mulheres e homens para a regra fundamental: Não é Não. É a condição primeira das relações saudáveis. Mas aí lembro de Catherine Deneuve e a polêmica carta que intelectuais e artistas francesas assinaram em 2018, defendendo a liberdade de importunar. Foram muito atacadas. Não por mim. Entendi que elas também combatiam abusos, apenas temiam desestimular ousadias que, para algumas pessoas, é um aditivo sexual.

É difícil trazer este tema à luz. Ele costuma ser discutido e combinado apenas entre quatro paredes. Só sai da alcova em forma de representação artística, como no caso do filme Babygirl, que não é nenhuma obra-prima, mas está dando assunto. É a história de uma poderosa CEO, casada, com filhos, que inicia um caso quente com um estagiário muitos anos mais jovem, e se submete às humilhações que ele determina.

Uma coisa leva à outra e reli o conto O Jogo da Carona, de Milan Kundera. Um casal de namorados, durante uma viagem de carro, encosta em um posto para abastecer. A garota sai do carro em busca de um banheiro e, quando retorna, pede carona ao seu parceiro, fingindo ser uma desconhecida. Ele entra no jogo e a viagem se reconfigura. Os dois agem como jamais tivessem se visto, e à medida que a conversa avança, surgem estranhezas incômodas. Quem é você, afinal?

Jogos entre adultos servem para escapar do "eu" corriqueiro. A gente costuma se apresentar para a sociedade como um produto biográfico específico, mas dentro de nós há todas as possibilidades de existência: somos não apenas cordatos, monogâmicos, amorosos, mas também agressivos, libidinosos, perversos, tudo o que se reprime. Encarcerados pela religião, pela cultura ou pela moral, nossos outros "eus" só afloram quando estamos numa situação limite ou a serviço da fantasia, que nos dá o álibi.

Por isso a arte é tão necessária nesse mundo cheio de regras. Ela não tem pudores. Atravessa paredes e desmonta certezas. Tudo é aceito no cinema, na literatura.

Coexistem, ao mesmo tempo, a timidez e o atrevimento, a bondade e a tirania. O título do livro de contos de Kundera é Risíveis Amores, mas em tcheco, idioma natural do autor, chama-se Amores Mistos, que me parece mais condizente com o que somos em essência: seres atormentados que se esforçam diariamente para viver com juízo. Até que a subversão nos chame para brincar. _

Por isso a arte é tão necessária nesse mundo cheio de regras. Ela não tem pudores

MARTHA

Moda pé na areia

É sol que me faltava? É tempo de pé na areia com as Gu. E a Pompéia segue junto com seus looks versáteis para aproveitar o melhor da estação mais quente do ano.

E entre os truques de styling favoritos do verão está utilizar o biquíni dentro e fora da praia. Protagonista no Litoral, a peça possibilita diversas combinações, transformando-se em produções diferenciadas. O maiô pode ganhar ares de body em um visual com peças casuais. Já para uma produção street, experimente usar o top do biquíni com calças e blazers. A saída de praia também pode ser uma opção para compor o visual daquele encontro com os amigos pós-praia.

Confira muito mais nas lojas, no site lojaspompeia.com e no app. Sabia que a Pompéia conta com o serviço de consultoria de moda gratuito, disponível em todas as lojas? Vem experimentar na unidade do Shopping Iguatemi (Av. João Wallig, 1.800, 1º andar, de segunda a sábado, das 10h às 22h, e aos domingos, das 12h às 20h). 

Não existe dose segura para um efeito bronzeado - ele, por si só, já é resultado de uma defesa da pele após sofrer uma agressão. Tampouco há negociação com quem ama exibir a cor mais douradinha, por anos associada à saúde.

Na impossibilidade de vencer, vamos (nas vozes de médicos dermatologistas) mostrar como, dentro do possível, pode-se reduzir as chances de problemas mais graves, a exemplo das queimaduras severas e, como não poderia deixar de estar presente no tema, o câncer de pele.

Abandonei o hábito há uns anos, às custas de melasmas e pintas que apareciam de forma exponencial a cada temporada de praia, mas sou zero julgamento - amava a facilidade com que ia do branquela desbotada para um moreno que deixava qualquer roupa melhor (pelo menos até eu acostumar com meu novo tom renascentista, que hoje já não incomoda a mim, só um pouco aos outros. Fazer o quê?). Mas ainda assim a interessante conversa da repórter Letícia Paludo com os entrevistados ajudou até a mim. Principalmente para me livrar da culpa em relação à vitamina D. Somado a isso, tem muito mais, da questão dos fatores de proteção até a diferença na hora de escolher entre cremes e sprays.

Um pequeno apanhado das principais dúvidas para cada uma escolher a melhor forma de viver os meses de verão. Da bronzeada consciente ao meu orgulhoso "branco-redação" _

Agendonna - Curso online - Ronda do décor

Fragrâncias personalizadas - Pintura em madeira

Apaixonadas por decoração que somos aqui em Donna, voltamos com mais uma dica - tanto para a própria casa quanto para um presente especial e personalizado. Em nossas andanças por feirinhas, adoramos visitar a Crafteria (@feiracrafteria) e conhecer o pessoal criativo que forma o time de expositores. Na dica desta semana, mostramos o trabalho lindo da Fernanda Faés, o nome por trás da Made to Feel (@made.tofeel) com peças em madeira pintadas à mão. As placas redondas são destaque, mas vale espiar e conhecer as casinhas e os suportes para velas.

Outono/Inverno

Temporada fashion na Serra

CARTA DA EDITORA 


18 de Janeiro de 2025
DRAUZIO VARELLA

A velha armadilha

Cigarros eletrônicos não são uma arma contra o vício no fumo, diferentemente do que a indústria quer fazer crer. Acreditar que os fabricantes de cigarro comum criariam uma alternativa para ajudar aqueles que lutam para se libertar dele é o mesmo que imaginar traficantes montando clínicas de recuperação na cracolândia.

De onde vem o lucro dos fabricantes de cigarro ou dos comerciantes de crack? Do bolso dos dependentes, claro: num caso a nicotina, no outro a cocaína. A semelhança acaba aí, porque é mais fácil largar do crack do que do cigarro. Falo com a experiência de 35 anos atendendo dependentes de crack nas cadeias: não há um que não considere mais insuportáveis as crises de abstinência de nicotina.

O grupo da doutora Jacqueline Acholz, do Instituto do Coração (Incor), em parceria com a Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo, acabou de publicar um estudo com mais de 400 usuários de cigarro eletrônico, arregimentados entre frequentadores de bares, shows e eventos no Estado de São Paulo.

A média de idade dos participantes era de 27 anos, 96% tinham escolaridade superior e 70% se consideravam brancos. Os locais escolhidos eram frequentados por jovens de classe média alta.

Vou resumir os achados mais importantes, nos nove itens a seguir.

1) Os autores observaram que os níveis de nicotina detectados entre os usuários "podem ser extremamente elevados". Em 13% deles, as concentrações ultrapassaram seis vezes a dos que fumam 20 cigarros comuns todos os dias. Nesse grupo a concentração média de nicotina no organismo foi de 2.400 ng/mL, número que atingiu 4.530 ng/mL.

2) Enquanto o fumante de cigarro comum dá em média 200 tragadas num dia, o dos eletrônicos chegou a mais de 1,5 mil.

3) Dos que já tinham sido usuários de cigarros comuns, 40% tinham conseguido parar quando começaram com os eletrônicos. Os outros 60% simplesmente trocaram aqueles por estes.

4) Do total de usuários de eletrônicos, 60% nunca haviam fumado cigarros comuns.

5) 1% relataram quadros de ansiedade e/ou depressão. Entre os que apresentavam concentrações muito elevadas de nicotina (acima de 400 ng/mL), a prevalência foi de 41%.

6) 20% dos participantes sofriam de asma, alergia ou hipertensão arterial. A prevalência de asma foi mais alta do que a dos não fumantes.

7) Mais de 70% dos usuários de eletrônicos haviam tentado parar uma vez ou mais, sem conseguir.

8) 8% disseram que fumavam um tipo de eletrônico sem nicotina. Em 55% deles havia nicotina na circulação.

9) 54% dos usuários sequer sabiam que os eletrônicos contêm nicotina.

A eloquência desses números dispensa explicações. Não é à toa que os especialistas consideram os eletrônicos até piores do que os convencionais. Estamos criando uma nova geração de dependentes de nicotina, muitos dos quais estão sendo escravizados sem saber que aquele dispositivo de aparência inofensiva contém a droga.

Fumantes de dois ou três maços de cigarros por dia sempre foram minoria. Com os eletrônicos, doses de nicotina superiores a essas fazem parte do cotidiano. Ninguém sabe o que acontecerá no decorrer dos anos. Não existe experiência prévia na medicina com o consumo diário de doses tão elevadas nem com a inalação dos flavorizantes e dos compostos tóxicos resultantes da decomposição deles.

Não se deixe enganar

Por isso, quando vierem com aquela conversa de que a indústria do fumo quer aprovar a comercialização dos eletrônicos, com o pretexto de acabar com o contrabando e controlar a qualidade, não se deixe enganar. Controle de qualidade? Inventem outra, essa gente é mentirosa, são vendedores de uma droga que provoca dependência química. Se não se tratasse de um produto legalizado seriam chamados de traficantes. O que pretendem é usar a rede de distribuição que chega em qualquer botequim do país.

Minha geração não teve acesso aos estudos que mostravam as doenças mortais causadas pelo cigarro. Influenciados pela publicidade criminosa que controlava os meios de comunicação de massa, começávamos a fumar sem saber que cairíamos na mão do fornecedor, na maioria das vezes para sempre. Milhões perderam a vida.

Muito triste ver que, quase cem anos mais tarde, uma geração de jovens com todo o acesso à informação cai na mesma armadilha.

O trabalho educativo que tornou o Brasil um dos países com as menores prevalências mundiais de fumantes terá que ser repetido à exaustão. Se conseguimos uma vez, saberemos fazer de novo. _

Drauzio Varella