sábado, 18 de janeiro de 2025



18 de Janeiro de 2025
COM A PALAVRA - Yamandu Costa -  Violonista e compositor gaúcho

COM A PALAVRA

"A música é uma arte de eterna procura"

Prestes a fazer 45 anos, Yamandu Costa colhe os louros de uma vida dedicada à arte. É considerado um dos maiores violonistas do mundo. E mesmo com a agenda repleta de destinos internacionais, vai celebrar o seu aniversário com show no Theatro São Pedro no dia do seu nascimento: 24 de janeiro.

Karine Dalla Valle

Você saiu do Rio Grande do Sul em 1998 para ganhar o mundo. Sua música é conhecida na Europa e até na China. Como se sente quando volta a Porto Alegre?

Sempre fui muito gaúcho, ligado às minhas raízes. Sempre soube de onde vim e tive orgulho. O povo gaúcho é um povo aguerrido, que tem características de um povo de fronteira. Voltei a ter uma casa em Porto Alegre há mais ou menos um ano. Minha mãe mora em Porto Alegre. E meu irmão mora com ela. Nós temos nosso apartamento no Menino Deus, onde fica uma base minha, com estúdio e uma churrasqueira, claro. Então a minha base no Brasil é Porto Alegre. Estou gostando de passar temporadas aí.

Em 2024, publicou sua primeira biografia (Yamandu Costa - Violão Sem Fronteira, disponível apenas em e-book e que deve sair no formato físico em março de 2025).

Prefiro dizer que é um autorretrato feito pelo Ricardo Viel, um jornalista que mora em Lisboa há muitos anos. É um pouco do início da minha história com minha família, para quem tem curiosidade de saber como foi.

Fala um pouco de quando começou a se apresentar com teus pais no grupo Os Fronteiriços, ainda na infância.

A gente se mudou de Passo Fundo a Porto Alegre em 1984. Eu tinha quatro anos. Eles tinham um grupo musical chamado Os Fronteiriços. Foi num bar que se chamava Pulperia, o nascimento do movimento de nativistas gaúchos, de grandes artistas, toda uma efervescência cultural que aconteceu em Porto Alegre no início dos anos 1980, e sou filho desse fogo todo. Comecei ali, como cantor mirim, dentro do grupo do meu pai, da minha mãe e meus tios.

Quando foi que você ficou vidrado no violão?

Com sete anos, vi o Lucio Yanel, grande violonista argentino, tocar pela primeira vez. Ele frequentava a casa da minha família. Ele foi o fundador dessa escola do violão gaúcho, da qual sou um propagador, assim como vários outros gaúchos, como Maurício Marques, Marcello Caminha e tantos outros. Quando vi o Lucio tocar, fiquei enlouquecido pelo instrumento. Mergulhei nessa vontade de me superar e de tentar tocar como ele. Foi aí que comecei a me desenvolver. Com nove anos, tive um salto, consegui tocar coisas mais difíceis. Foi algo que fui aprimorando diariamente. Não é uma arte que tem um ponto de chegada. A música é uma arte de eterna procura.

Você teve contato com a música regionalista muito cedo. Em que momento descobriu os ritmos brasileiros e como incorporou essas sonoridades na tua identidade?

Era a cultura geral que o meu pai tinha. Ele falava: "Filho, se você quer tocar música brasileira, tem que conhecer o choro, tem que conhecer o samba, nosso país é muito grande". Quando tinha 11 anos, viajei com ele de Porto Alegre a Natal, no Rio Grande do Norte. Só eu e ele, no nosso ônibus. Em cada Estado que a gente passava, ele me contava sobre a música daquele lugar. Minha família, no início dos anos 1980, morou no Recife. Tenho uma foto da minha mãe dançando com o Luiz Gonzaga e o meu pai tocando acordeom no fundo. Fui criado sabendo que pertencia a um país riquíssimo. Sempre me senti um brasileiro, latino-americano. Isso ajudou a minha carreira, sendo um representante de vários lugares. Um representante de um continente latino-americano. O repertório dos meus concertos é muito variado.

Teu pai morreu em decorrência da aids. Como foi isso?

Foi logo no início da descoberta do AZT, a primeira medicação. Meu pai foi um dos primeiros brasileiros a receber o coquetel. Ele já estava muito debilitado, coitado, não resistiu. Uma morte muito trágica, porque eu estava em plena formação. Nem tinha 18 anos quando ele faleceu, no dia 18 de janeiro de 1997. Fiz 17 logo depois. E foi uma morte que me colocou para a vida. Fui embora do Rio Grande do Sul. Ganhei dinheiro em alguns festivais, juntei, comprei um violão para o meu mestre Lucio Yanel e fui embora para São Paulo. No primeiro convite que apareceu, botei os peitos n?água, como falam aí no Sul. O (Renato) Borghetti foi o meu grande padrinho, o primeiro cara que me levou para fora do Rio Grande do Sul.

Você se mudou para Portugal em 2019 porque já tocava muito na Europa e viver lá ficava mais prático. Mas também teve outro fator: a situação política do Brasil naquela época estava te deixando um pouco incomodado, não é mesmo?

Não só a mim, né? A qualquer pessoa que goste de cultura. Imagina, um governo que odeia artista, que coisa horrorosa. Aterrorizante um país como o Brasil, uma potência cultural, vivendo essa tendência contra a cultura, esse crescimento horroroso da extrema-direita no mundo inteiro, esse pesadelo que parece que não acaba. Mas, mais do que isso, eram as circunstâncias da minha vida. Estava muito cansado de viajar. Era um emergente que vivia no Rio de Janeiro, tendo um padrão de classe média alta, criando dois filhos, dois playboys. Porque o Brasil é tão desigual que ou você cria gente pobre, ou cria playboys. Não existe meio termo. 

Resolvi dar chance a eles de viverem em um lugar mais humilde, com escola pública, mais equilibrada, e foi uma grande decisão. Mesmo depois de me separar (Yamandu se separou da violonista Elodie Bouny em 2023, após 16 anos juntos), foi uma grande decisão. E para o meu desenvolvimento também. Eu já estava com 40 anos. Ou eu saía logo, ou ia me acomodar, e sou muito novo para me acomodar. Você nunca perde um lugar indo para outro. Foi muito bom para a minha carreira no Brasil ter vindo morar na Europa. Não moro em nenhum lugar, moro dentro do meu violão.

O RS é um Estado conservador. Você nunca ficou com medo de perder público por aqui ao criticar o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro?

Não sou um ativista político, e a música está acima disso. Mas também nunca tive medo de deixar claro os meus pensamentos em relação a isso. Uma tendência muito clara da música regionalista gaúcha é que ela se cria com personagem de esquerda, libertário, um homem que já nasce de uma mistura, e esse homem depois vai se apegando a valores mais conservadores. 

É um fenômeno natural que a gente tem de conseguir enxergar sob vários aspectos. Como faço uma música livre, nunca dependi desse mercado, então para mim não faz muita diferença. Minhas convicções sempre foram claras, mas nunca agressivas. Nunca falo sobre isso no palco. A manifestação artística é mais sagrada do que isso. Ninguém lembra do nome do prefeito da cidade onde Shakespeare morava. _

Serviço 

O quê

Yamandu Costa em Porto Alegre

Quando

24 de janeiro de 2025 (sexta-feira), às 20h

Onde

Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°)

Ingressos

disponíveis no site theatrosaopedro.rs.gov.br

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