Respostas capitais
Sócio do escritório Barral Parente Pinheiro Advogados e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil
"Trump será uma influência nefasta para o resto do mundo". Com três décadas de experiência, Welber Barral se especializou em direito internacional do comércio e investimento estrangeiro. Como atua com exportadores e importadores, acompanhou cada dia da semana de posse de Donald Trump na presidência dos EUA sob suspense. Diz que uma tarifa de 3% sobre matérias-primas básicas já é muito, e a ameaça chegou a 100%.
Welber Barral
? O fato de Trump ainda não ter anunciado aumento de tarifas é um alívio prolongado ou temporário?
O mercado respondeu com alívio, inclusive o dólar baixou em vários países do mundo, mas na realidade deve anunciar algo, porque continua falando em tarifas e de usá-las em negociações com outros países.
? Se não anunciar aumento de tarifa, para que serviram as bravatas, para negociar?
Sim, a lógica do Trump é bem transacional, ou seja, ele vê tudo como uma forma de negociação e vai usar muitas ameaças de tarifas, inclusive para resolver problemas geopolíticos. É o que ele fez com a Rússia agora, ameaçando aumentar as tarifas e aumentar as sanções também contra a Rússia (se não houver cessar-fogo na Ucrânia).
? Se anunciar, que alta pode ser absorvível e a partir de que patamar pode complicar o comércio internacional?
Existe uma discussão sobre aplicar tarifas de 3% a 5% para todos os produtos. Isso tem efeito muito divergente dependendo do produto. Para commodities (matérias-primas básicas, como petróleo e soja), 3% já é muito. Em produtos manufaturados ou de consumo, 3% é absorvível. No caso da China, ele chegou a ameaçar com 60%, mas parece que houve uma conversa com o Xi Jinping que poderia levar a uma promessa chinesa de aumentar as compras nos Estados Unidos, o principal objetivo do Trump.
? Caso não haja aumento realmente impactante de tarifas, as ameaças de Trump podem perder credibilidade?
A interpretação de muitos analistas, e eu concordo, é que Trump faz da imprevisibilidade um mecanismo de negociação. Ou seja, ele ameaça com tarifas, tem algumas concessões, posterga as tarifas, mas continua com a ameaça como forma de negociação. Isso deve continuar ao longo de todo o governo e, eventualmente, ele pode sim adotar tarifas contra alguns países ou contra a União Europeia, que também já ameaçou, como forma de obter redução do déficit americano.
? Trump fez dois outros claros desafios ao multilateralismo, a saída da OMS e do Acordo de Paris. Como isso impacta os demais países?
Claro que tem efeito negativo para o mundo inteiro. Os Estados Unidos pagavam quase 20% das despesas da OMS, e o Acordo de Paris tem os Estados Unidos como um dos maiores poluidores do mundo, então é necessária a participação deles. Uma interpretação de alguns dirigentes internacionais, que eu não sei se é correta, é que é um retrocesso de quatro anos, que eles vão ter de tolerar o retrocesso de quatro anos, que depois os Estados Unidos vão acabar voltando a essas iniciativas multilaterais.
? A fronteira com o México foi fechada por decreto de emergência nacional para barrar imigrantes. É algo aceitável em relações internacionais?
A aceitação de imigrantes é norma interna, ou seja, existem alguns acordos internacionais de cooperação, mas os EUA têm, como qualquer país, autonomia e soberania para determinar suas regras sobre a aceitação de estrangeiros. Vai haver discussão muito grande sobre a competência federal e a competência dos Estados e cidades americanas, porque muitas têm regras menos duras para imigrantes.
? A ameaça de taxar em 25% na entrada nos EUA de produtos de Canadá e México seria um "aperitivo" para a renegociação de acordo?
No mandato anterior, Trump já havia renegociado o Nafta e criou esse um novo acordo chamado USMCA, que não mudou muita coisa, na realidade, a não ser algumas questões de regra de origem. Mas Trump usou essas alterações para cantar vitória e talvez isso aconteça de novo. Ele vai usar essa pressão sobre o Canadá e México para fazer a renegociação do acordo.
? Trump também disse que Brasil e América Latina precisam mais dos EUA do que vice-versa. É um fato?
No governo anterior, a América Latina não foi uma prioridade. Talvez agora, com um secretário de Estado latino, mude um pouco. Com o tamanho da economia dos EUA, qualquer medida afeta a América Latina, também um grande destino para exportações americanas. Então, há dependência recíproca.
? Voltou a ameaçar os países do Brics com taxação de 100% se insistirem na alternativa ao dólar. Em que ponto está essa iniciativa?
É muito difícil a criação de uma moeda comum, então é algo muito inviável no curto prazo, até no médio prazo, embora possa haver um aumento do uso do renminbi, a moeda chinesa, então aí tem que ver como Trump vai reagir.
? Como aliados históricos dos EUA, a exemplo da Arábia Saudita, estão no Brics, cumprir a ameaça não fica mais difícil?
Cada um vai perseguir seu próprio interesse, e Trump vai fazer com que os países busquem interesses de curto prazo, tentando buscar algum tipo de transação com os EUA enquanto está o governo Trump.
? Qual deve ser a estratégia do Brasil, sócio relevante do Brics?
Será, seguramente, tentar não confrontar diretamente, enquanto avança com projetos com os Brics. Não será uma tarefa diplomática fácil.
? Do ponto de vista do comércio internacional, qual o impacto dos primeiros dias de Trump?
Em termos de tarifas, esperava algo pior. Mas várias outras medidas que toma, como a redução da intervenção do Estado e o fim das iniciativas de diversidade, vão acabar servindo como modelo para outros países. Trump será uma influência nefasta para o resto do mundo. _
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