quarta-feira, 22 de janeiro de 2025



22 de Janeiro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Um técnico na chefia da COP30

Lula acerta ao designar André Aranha Corrêa do Lago como presidente da COP30 de Belém, que se realizará em novembro.

Poderia ter sido uma escolha política: a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por ser filha da Amazônia e por seu reconhecimento internacional, seria a decisão preferida dos ambientalistas. O vice e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, pela interlocução com a indústria, seria o preferido do mercado.

Mas Lula quis evitar um integrante do primeiro escalão, entendendo que a conferência do clima costuma sugar todas as energias e capital político do seu chefão, o que poderia acarretar em atrasos nas entregas das próprias pastas.

Ao escolher um diplomata, o presidente também evita o erro dos dois anfitriões anteriores, cujas trajetórias estavam atreladas à indústria petrolífera.

Em Dubai, a COP28 foi marcada pela polêmica em torno do sultão Al Jaber, chefe da estatal Abu Dhabi National Oil Company e ministro da Indústria e Tecnologia Avançada. Em Baku, a COP29 teve como líder Mukhtar Babayev.

Ele era titular da pasta da Ecologia e Recursos Naturais e ex-chefe da empresa petrolífera Socar.

Lula escolheu um filho dileto dos quadros do Itamaraty que melhor conhece os meandros das COPs. Corrêa do Lago reúne as características adequadas para a missão: gentil, costuma utilizar do soft power brasileiro na mesa de negociação, sem abrir mão de falar duro quando necessário.

Os desafios

Os desafios serão muitos. Há grande expectativa em relação à COP da Amazônia, o lugar mais falado nas conferências e menos conhecido.

Com os EUA fora do Acordo de Paris, a própria legitimidade dos debates climáticos está sob ameaça. E ainda há os temas intrínsecos às negociações: as novas metas de cada país para redução de emissões de gases do efeito estufa (as NDCs) e o duelo entre Norte x Sul não encerrado sobre o financiamento climático.

O sucesso ou fracasso de uma COP depende muito do país anfitrião e de seu presidente. Se a COP de Belém não for resolutiva, muitos lembrarão mais de Corrêa do Lago do que de Lula. _

Após ser anunciado como presidente da COP30, Corrêa do Lago falou sobre a saída dos EUA do Acordo de Paris: "Estamos ainda analisando as decisões do presidente Trump, mas não tem a menor dúvida que terá impacto significativo na preparação da COP".

Diplomata de carreira do governo federal

Corrêa do Lago é formado em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diplomata desde 1980, conta no seu currículo com passagens pelas embaixadas de Japão e Índia. É o negociador-chefe da diplomacia brasileira em questões ambientais.

Já dirigiu o Departamento de Energia e o Departamento de Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores.

Atua desde março de 2023 como secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty. Na COP29, em Baku, foi chefe da delegação brasileira. Como a coluna adiantou, entre os nomes cotados estavam Corrêa do Lago e a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, que ocupará o cargo de secretária-executiva da conferência de 2025. _

Trump não é liberal

As primeiras ações de Donald Trump de volta ao poder demonstram seu total desprezo pelo sistema multilateral, pelo arranjo internacional que os EUA erigiram e lideraram após a Segunda Guerra Mundial.

O concerto que se tem, o sistema das Nações Unidas, é falho, mas, bem ou mal, vem garantindo, pós-1945, que o mundo não tenha uma nova guerra de proporções globais.

Ao retirar o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Acordo de Paris, Trump está desdenhando, desqualificando o arranjo liberal, a ordem global baseada em regras.

Trump é um empresário, mas não é um liberal. Um liberal preza pela globalização, pelo comércio internacional. Trump é a favor do protecionismo, de taxar nações.

A maior prova disso é que o Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, na Suíça, está em compasso à espera do cumprimento das promessas do republicano, que voltou vitaminado ao poder no seu segundo mandato. _

Entrevista - Maurício Moura - Professor da Universidade George Washington

"Um governo mais pautado na lealdade do que na composição política"

Donald Trump assumiu pela segunda vez a presidência dos EUA. Na análise do economista e professor da Universidade George Washington Mauricio Moura, vai liderar um país dividido e com problemas de popularidade.

Quais as principais diferenças entre as duas gestões?

A principal diferença é a composição do gabinete. No primeiro mandato, ele tentou fazer uma composição com diferentes alas do Partido Republicano. Uma ala mais conservadora, talvez o maior nome dessa ala tinha sido o próprio Mike Pence, que foi vice-presidente, e outras secretarias estavam com pessoas que não eram ligadas diretamente ao Trump ou ao movimento dele. Agora não. O critério principal agora foi basicamente a lealdade ao Trump, e não teve nenhuma acomodação política nesse gabinete dele. Então, é um governo muito mais pautado na lealdade pessoal do que qualquer composição política. O segundo ponto é que ele vai para o segundo mandato, que costuma ser bem mais complicado em termos de popularidade e de acordos políticos, porque não tem perspectiva de poder. E Trump também vai assumir um país dividido. Ele provavelmente não vai ter popularidade.

Por que ele optou por essa composição de mais lealdade?

O motivo foi porque no primeiro mandato muita gente acabou não aceitando as ideias de Trump ou as ações dele. Eu acho que o ápice foi o Mike Pence não ter aceitado a sugestão dele de ir contra a Constituição. Então, agora, ele se cercou, no governo, de pessoas que dificilmente vão dizer não a qualquer coisa.

O que está por trás das ideias de anexar Canal do Panamá, Canadá e Groenlândia?

O que ele costuma fazer, historicamente, é soltar factoides para desviar a atenção de temas mais relevantes ou de colocar coisas que não estão na mesa como elementos de uma possível negociação. Claro que ninguém aqui em Washington acredita na retomada do Canal do Panamá, na compra da Groenlândia, muito menos na incorporação do Canadá. São coisas que são absurdas por vários motivos, mas isso desvia a atenção, desvia o foco. É a estratégia de negociação dele. O que ouço de quem trabalha com ele é que ele reage de maneira muito impulsiva a qualquer ideia que chega na cabeça dele e que ele gosta. Então, se algum assessor falou "vamos comprar a Groelândia" e ele gostou da ideia, ele solta. Nível de impulsividade bastante alto.

E a relação com o Brasil neste segundo mandato?

Acho que vai ser praticamente inexistente. Não existe nenhuma agenda comum entre os governos. O Brasil precisaria dos EUA na COP, mas não vai ter, não vai contar. O país tem uma agenda de reforçar o poder dos países do Hemisfério Sul, até com o próprio Brics, que é uma coisa que o Trump também faz declarações contrárias. O próprio Trump tem relações pessoais com a oposição no Brasil. América Latina não é prioridade, e mesmo na América Latina tem outros temas mais relevantes, talvez a Venezuela seja mais prioridade do que o Brasil. _

INFORME ESPECIAL

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