terça-feira, 28 de janeiro de 2025



28 de Janeiro de 2025
NÍLSON SOUZA

A história do livro

Acabei de ler um livro que vai para a minha modesta galeria de grandes obras. Não é um romance fantástico como Cem Anos de Solidão, história que estou revendo na série da Netflix com novo encanto, mas também com certo temor de que as imagens em movimento substituam na minha memória o registro gravado pela imaginação na primeira leitura do texto de Gabriel García Márquez. Tampouco contém o realismo mágico de A Casa dos Espíritos, da minha autora sul-americana preferida, a chilena Isabel Allende. Mas vou colocá-lo na prateleira mais alta do meu time de escritores, para usar uma expressão que virou lugar-comum nas análises de futebol.

É um livro sobre a história do livro. Sob o inspirado título O Infinito em um Junco, a espanhola Irene Vallejo escreveu uma verdadeira obra-prima que condensa pesquisa exaustiva e amor intenso pelos livros e pela literatura. Na visão do peruano Mario Vargas Llosa, outro que tem lugar de destaque na minha estante, é "um livro que continuará a ser lido quando os leitores atuais já estiverem na outra vida".

O ensaio de Vallejo destaca, entre vários aspectos da história deste objeto perfeito (sacada do italiano Umberto Eco, prateleira de cima também), a importância da escrita e das plataformas que a sustentam na preservação da memória e do conhecimento humano. Houve um tempo de palavras aladas - ela lembra - que se perderam na desmemória. Até que o ser humano passou a registrá-las em superfícies diversas, numa evolução que chegou a esse objeto de papel que agora enfrenta o desafio das "palavras de luzes" da era digital.

Resistirá por muito tempo? Confesso que essa é uma das maiores dúvidas deste escriba de longa rodagem (pelo menos da linotipo à inteligência artificial) e que, nesses tempos de atenção sequestrada pelas telas luminosas, teve que se esforçar para percorrer as 493 páginas de sua primeira leitura do ano. Recomendo muitíssimo o talentoso ensaio de Irene Vallejo por pelo menos três motivos: ele nos devolve a esperança na perenidade do livro, nos conta uma história extraordinária da qual somos partícipes e tem o poder de nos afastar por algum tempo das telinhas viciantes, sem nos privar de momentos prazerosos. _

NÍLSON SOUZA

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