Um domingo histórico
As cenas na Praça dos Reféns, em Tel Aviv, resumem a grandiosidade histórica do domingo, 19 de janeiro de 2025: a área na qual, por um ano e três meses, familiares e amigos amargaram a angústia da espera é palco agora de abraços e lágrimas em comemoração pela libertação das primeiras três reféns do total de 98 que ainda estão em poder do grupo Hamas.
Lembro bem daquela praça: ali, em outubro do ano passado, vi uma das imagens que mais me marcaram naqueles dias, como enviado especial do Grupo RBS para cobrir um ano do atentado de 7 de outubro de 2023: uma mesa posta, com pratos e taças à espera do retorno dos reféns. As cadeiras estavam vazias. Nos lugares, havia itens depositados por familiares e amigos que lembravam os sequestrados: um ursinho de pelúcia, uma bandeira, uma fotografia. Impossível não sentir o vazio.
Romi Gonen, 24 anos, Emily Damari, 28, e Doron Steinbrecher, 31, as três reféns libertadas ontem, personificam a concretização do acordo fechado entre Israel e os terroristas, com mediação dos Estados Unidos e do Catar, e que, desde o anúncio, esteve cercado de desconfianças.
Simbolicamente, a libertação também representa esperança para os familiares dos ainda cativos em Gaza de que terão, em breve, seus queridos de volta.
O acordo que silencia as armas deve ter três fases, com duração de 42 dias. Há muitas fragilidades, e seu cumprimento é incerto. Nessa primeira etapa devem ser soltos 33 reféns - vivos ou mortos. O grupo extremista vai priorizar mulheres, crianças e idosos. Já Israel deve libertar prisioneiros palestinos, em princípio menores de idade e mulheres.
Próximos passos
São duas as dificuldades, que, espera-se, sejam superadas à medida que os termos do acordo sejam cumpridos. Uma é a desconfiança de lado a lado. Qualquer troca de tiro, escaramuça ou atentado pode levar ao rompimento do acerto. Não se pode esquecer de que, em Gaza, está se negociando com uma organização terrorista, cuja palavra tem nenhum valor.
A outra é a pressão interna no próprio governo de Benjamin Netanyahu, que enfrenta a oposição dos partidos religiosos integrantes do gabinete - eles concordaram em participar do acordo nessa primeira fase, o que dá certo tempo ao primeiro-ministro. As próximas fases são mais delicadas, pois envolvem a soltura de condenados à prisão perpétua e envolvidos em atentados em Israel.
O Oriente Médio já passou por centenas de idas e vindas. A roda insana da violência costuma girar com frequência. Acordos são rasgados, acertos de cessar-fogo, rompidos. Infelizmente, é improvável uma paz duradoura. Mas, por hoje, há motivos para comemorar. Três daqueles lugares vazios à mesa posta da Praça dos Reféns, em Tel Aviv, voltarão a ser ocupados. _
Gaúcha relata a emoção ao acompanhar a libertação
- É como se fossem da família.
Assim Geruza Schneider, gaúcha de Porto Alegre, moradora do sul de Israel, interpretou seu sentimento ao ver as três reféns libertadas ontem pelo Hamas, como parte do cessar-fogo.
A relação próxima foi estabelecida pelo noticiário, que Geruza acompanha desde os atentados de 7 de outubro de 2023, quando os terroristas invadiram Israel, matando 1,2 mil pessoas e sequestrando cerca de 250. Ela conhece praticamente todos reféns e seus parentes, cujas histórias apareciam na TV diariamente nesse um ano e três meses de angústia.
- É uma confraternização nacional, mas, ao mesmo tempo, a mais pessoal possível. Cada um sente diferente. O país inteiro está emocionado - contou à coluna.
Geruza mora no kibutz de Hatzerim, a 30 quilômetros da fronteira da Faixa de Gaza, com o marido, o também gaúcho Leon Chrempach, e os filhos Yoanatan e Noa. Ela trabalhou ontem, um dia útil em Israel, mas a cada intervalo espichava o olho para as notícias sobre a libertação.
- Houve toda uma tensão, até que deram os nomes de quem seria liberado. Aí, começaram a entrevistar as famílias. E a sensação é de que a gente já conhece as pessoas: a gente viu essas mães falarem tanto no noticiário, que fica com o coração na mão - afirmou.
Ao voltar para casa, passou a acompanhar de forma contínua o processo de soltura.
- Vi quando o Hamas passou as reféns para a Cruz Vermelha, a emoção de vê-las descendo do carro, sozinhas, andando. Elas estão vivas, conseguiram sair desse pesadelo, desse inferno. Você chora e fica apavorado ao mesmo tempo - disse. _
O acordo de cessar-fogo não traz detalhes sobre o "dia seguinte", deixando em aberto o tema, que só deve ser negociado no fim da segunda etapa do acerto. O Hamas tentou dar uma demonstração de força ontem, ao exibir o que sobrou de seu efetivo mascarado e com fuzis em punho em frente a caminhonetes na transferência das reféns para a equipe da Cruz Vermelha.
O grupo, que venceu a eleição em 2006, ganhou uma guerra fratricida com a Fatah no ano seguinte e passou a comandar o território, impondo uma ditadura de terror. Os palestinos de Gaza são reféns em seu próprio território.
Aos 89 anos, o líder palestino Mahmoud Abbas, herdeiro do líder Yasser Arafat, está idoso e comanda uma organização política, a Autoridade Nacional Palestina (ANP) corrupta e desacreditada. Mas, ainda assim, ela é a única força palestina capaz de dar algum tipo de esperança de dias melhores.
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