quarta-feira, 29 de janeiro de 2025



29 de Janeiro de 2025
MARIO CORSO

Cinzeiros

Carros vinham com cinzeiro. Ônibus e aviões traziam cinzeiros com tampa acoplados ao braço da poltrona. Nos hospitais era possível encontrar cinzeiros. Havia cinzeiro portátil dobrável, para levar consigo, para a emergência de fumar em um lugar descinzeirado.

A peça que mais me encantava era um cinzeiro mecanizado. Empurrando para baixo um pino acima do centro, ele abria a superfície do convés e engolia as cinzas e as bitucas para seu porão. Dava uma ideia de autolimpante, mas seu interior guardava um aroma de incêndio com toques de esgoto e notas de enxofre.

Os cinzeiros ganhavam seu destino ao acaso. O monogâmico recebia cinzas de um fumante, portanto uma só marca de cigarro. Eles tinham uma vida longa, mas demasiado pacata. Triste era o destino do cinzeiro de não fumantes, tinham os pulmões limpos, viviam da esperança de visitas ocasionais. O cinzeiro de sala de família era o meio termo, o equilíbrio de uma boa vida cinzeiral. Porém, o sonho de todo cinzeiro era trabalhar em um bar. Estes gabavam-se de conhecer dezenas de cigarros, entre nacionais e importados. Mas sabe como é viver entre quem bebe, espatifar-se no chão era o risco de sua vida louca.

Minhas memórias do universo tabagista são emprestadas, nunca fumei. Um dia, um amigo trouxe um cinzeiro roubado de um bar, para tê- lo disponível quando me visitasse. Ele privou um cinzeiro da vida de bar. Eu fui cúmplice por receptação e aposentadoria precoce do butim. Ainda tenho o cinzeiro preto, fosco, feito de baquelite. Ouço seu suspiro quando o vento traz pela janela aroma de tabaco, é tudo que lhe resta.

Não chore seu ostracismo, pense no cinzeiro que leva seu apagamento com elegância. Hoje ele nos lembra que todo reinado é provisório e vira cinza. _

Mário Corso

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